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Críticas

Cineplayers

Cinema da deterioração.

4,0
Alexandros Avranas é um dos cineastas gregos da atualidade a fazer parte, junto de Yorgos Lanthimos, de uma nova onda do país de cineastas que os festivais europeus incensaram e tinham características parecidas, um certo apreço pelo choque. Nem sempre dá certo, e nem com todo mundo dá certo. O próprio Avranas, por exemplo, ganhou um prêmio de direção em Veneza com seu filme anterior, Miss Violence, alvo de justa reprimenda por parte da crítica por seu conteúdo inexplicavelmente exploratório acerca do horror humano, e da forma como sua misantropia não encontra eco em sua estrutura. Um cineasta como os na posição do grego teria no cinema de língua inglesa uma forma de expandir a exposição de sua voz para uma plateia mais ampla.

A primeira coisa que chama atenção em Crimes Obscuros é a obstinação de Jim Carrey. Há tempos longe dos holofotes que foram acesos há mais de 20 anos, não é uma surpresa para quem conferiu O Show de Truman e O Mundo de Andy as capacidades dramáticas do ator. Sumido de Hollywood, Carrey está compenetrado em cena e constrói muito bem o protagonista de um filme pouco agradável de acompanhar. O talento continua em dia e sua presença é o principal vetor da produção, em composição interiorizada que nos faz lamentar seu afastamento (para além de suas questões de saúde) e que consegue promover o elenco ao seu lado, em sua maioria não apenas talentoso como principalmente inusitado; nomes como Kati Outinen (fetiche de Aki Kaurïsmaki e prêmio em Cannes por Um Homem sem Passado) e Vlad Ivanov (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias) atuando ao lado do protagonista de Ace Ventura não é o que se imagina ao ver um suspense psicológico.

A exceção do elenco é Marton Csokas. Entendemos que sua posição é a de contraponto a Carrey, mas sua afetação extrema bate de frente com a concisão do protagonista e de Charlotte Gainsbourg, sua esposa no longa. Csokas é um canastrão, isso é um fato, mas ao lado de atores tão superiores a ele, seu deslocamento fica mais evidente. Ele estar no centro de uma trama que envolve 'torture porn' não o ajuda, e exacerba o caráter desagradável do próprio filme, que tem pontos em comum com o 8 mm de Joel Schumacher, inclusive na gratuidade. Aqui fica clara a vocação do cineasta em não ter meias palavras pra provocar, disfarçando sua falta de tato com uma profundidade oriunda de tempos mortos e câmera estática. Unido a isso, o antigo (na verdade antiquado) problema do 'filme falado em inglês com personagens europeus'; todos são poloneses. Ora bolas, isso não tinha graça nos anos 80, imagina hoje. Imagina quando o elenco originalmente é 98% europeu.

Sua proposta de tornar densa uma trama policial bem batida e sem surpresas só não desce pelo ralo inteira porque a seu favor ele tem exatamente esse elenco, que deixa o material apresentado dentro de um nível aceitável em matéria de entretenimento. Embora a ideia de Avranas seja provocar e incomodar, isso só é parcialmente conseguido quando estão em cena seu grupo de atores. Toda vez que ele se distancia do objeto humano em cena, o que sobra é pretensão e aborrecimento. Tivesse ele entendido que tinha em mãos um material pop para trabalhar e construísse um thriller de gato e rato, seu filme alcançaria um lugar mais digno do empenho alheio. Tecnicamente é um filme escurecido e soturno, mesmo que isso não provoque as intenções esperadas no público.

Ao longo da projeção, inúmeras tentativas de se posicionar como um produto de origem superior, evocando um material europeizado, só não tiram toda a potência do longa porque em sua coluna vertebral está Jim Carrey valorizando o material que ele não soube dar valor, como se apontasse para um caminho diverso ao que se pretende o capitão do navio. À exceção de Csokas, Crimes Obscuros tem um grupo de atores de infinita inteligência cercando e valorizando seus personagens. Não fosse sua forçada visão depressiva do estado das coisas a intoxicar roteiro, direção e ambientação, teria tido um resultado superior ao apresentado. Ainda que visivelmente essa fosse a intenção de Avranas, assolar sua narrativa do pior que o ser humano pode oferecer à sociedade.

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