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Críticas

Cineplayers

Meio termo.

5,0

Mais do que em qualquer gênero cinematográfico, o suspense, para que funcione devidamente, necessita que o público compre sua ameaça, que o perigo que aflige os personagens seja comungado pela platéia e que esta seja mergulhada no cenário de horror que o filme deseja proporcionar. Ao aceitar essas solicitações, a obra cumpre suas obrigações para com o espectador, do contrário, tanto fracassará em suas propostas quanto soará pendente ao fim de sua sessão. É curioso observar que, em se tratando de tais objetivos citados, Demônio (Devil, 2010) paralise em cima do muro, uma vez que suas qualidades cinematográficas, no que diz respeito a seu gênero, ficam no meio do caminho, estacionadas pelos equívocos imperdoáveis cometidos por roteiro e direção.

Logo em seu trailer, Demônio, filme derivado de uma história assinada por M. Night Shyamalan, apresenta uma premissa intimidadora, que consiste em mostrar um infortúnio do destino que une cinco pessoas desconhecidas em um prédio, onde acabam ficando presas em um mesmo elevador devido a uma misteriosa pane. Neste claustrofóbico local passa a acontecer uma colisão de personalidades opostas, de índoles questionáveis até mesmo ao espectador, e tal situação ganha piores dimensões quando acontecimentos sobrenaturais iniciam-se por todo o edifício; descobre-se, então, que aquilo está ocorrendo por influências satânicas, obra do demônio, e, para o pavor dos cinco estranhos naquele elevador, a tal entidade diabólica é um deles.

Infelizmente, esta simples e interessante premissa não é aproveitada da maneira correta pelos responsáveis do projeto, devido a estes simplesmente blindarem a matéria-prima que possuem em mãos de uma boa execução, transformando o que poderia ser um ótimo suspense numa sessão tão divertida quanto esquecível. Uma das muitas razões para Demônio estar degraus abaixo do que poderia ter sido é seu problemático roteiro, que em momento algum trabalha a história como o necessário, apressando-a demasiada e desnecessariamente e fazendo-a sempre naufragar na previsibilidade das situações. O argumento provindo da mente de Shyamalan é, de fato, curioso, intrigante, entretanto, é sempre poupado de uma lapidação precisa, pois mesmo com essa pequena trama, o filme dá rodeios infinitos sem estacionar em lugar algum. E, no momento de mostrar realmente a quê veio, erra ao tentar tapar suas frestas com soluções bobas e, por vezes, estapafúrdias.

Tomemos como exemplo o passado de cada qual dos personagens. Enquanto de início abre-se naquele elevador uma atmosfera de mistério, de conflito entre as distintas figuras, o que nos leva a crer que aquelas cinco pessoas suspeitas terão muito a revelar, o roteiro simplesmente liquida esse suspense fazendo com que um a um aqueles seres sejam trucidados, sem qualquer exposição satisfatória de suas verdadeiras identidades, apenas em prol da criação do medo, do pavor. Porém, esquecem-se de que a construção dos personagens é um elemento primordial para que o público compartilhe do pânico mostrado em tela; afinal, como você poderá se importar com o bem-estar de um sujeito que mal sabe o nome? É nesse ponto que os diretores e o roteirista descartam a fertilidade do argumento escrito pelo cineasta indiano, uma vez que o que divergia as obras de Shyamalan dos suspenses habituais de Hollywood era sua preocupação para com seus personagens, com a composição dramática de suas criações, modelando-os sempre do modo mais artesanal possível; em Demônio, porém, absolutamente nenhum daqueles seres consegue emitir qualquer empatia, particularidade, de modo que em tela tornam-se apenas criaturas aguardando a hora do abate.

O que fornece crédito a esta produção é a construção de sua atmosfera de horror, que mantém a tensão do espectador sempre intacta, seja durante as cenas focadas no grupo das pessoas isoladas no elevador ou nas demais ocorrências no mundo externo. Nessa questão, Demônio consegue êxito de pôr sua platéia próxima ao perigo, sem que esta saiba onde ele exatamente se encontra, promovendo assim um clima atemorizante, nem que para tanto o filme utilize de alguns dos subterfúgios mais pobres de seu gênero, tais quais rompantes ocasionados por altos acordes e os efeitos da luz, onde durante as pausas entre ligar e apagar há sempre a certeza de que algo de ruim irá ocorrer.

Felizmente, Demônio é um filme que não cansa, não agride a paciência de seu espectador, simplesmente por seu ritmo agitado e sua curta duração não darem aberturas para tanto. Contudo, a obra jamais traça objetivos definidos e parece contentar-se apenas com os sustos e a atmosfera que constrói. Retornamos então ao primeiro parágrafo deste texto, no qual é dito que uma das características básicas para um suspense funcionar é a de que o público compartilhe o medo que afeta os envolvidos na trama; e, nesse ponto, Demônio cumpre somente metade da exigência, uma vez que, por mais que seja hábil em modelar o pânico em tela, é falho em jamais tornar seus personagens figuras que transpareçam o medo, que façam com que temamos o perigo junto a eles. O saldo final da sessão encontra-se num meio termo, devido às exigências sempre incompletas e ambições infantis de um filme que até funciona como um entretenimento passageiro, mas se dissipa totalmente com o simples ascender das luzes.

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