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Dia com Jerusa, Um

(Um Dia com Jerusa, 2019)
6,7
Média
5 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Café com afeto

6,0

A apresentação da equipe inteiramente negra de Um Dia com Jerusa (2019) foi marcante para qualquer espectador na plateia da Mostra Tiradentes, mas a emoção e o impacto recebidos pela imagem não devem se sobressair a qualquer análise filmica, seja ela positiva ou negativa, e é claro ressaltar como o filme tem saldo para ambos os lados. Baseado no curta-metragem que a própria Viviane Ferreira realizou há 6 anos, mais uma vez o dia de aniversário de Jerusa é o palco da ação depois de uma breve apresentação de informações.

O filme se ancora em uma situação que "soterra" duas personagens em um único cenário, mas, para o desenvolvimento do longa, outros elementos foram incorporados, alguns bem aleatórios e outros bastante acertados; quase todos tratados como gatilho de trama, sem qualquer função posterior a esse deslanchar. Um exemplo positivo é o margear espacial dos cenários, como se o filme fosse se passar em ambientes que emulariam casas e estabelecimentos quando na verdade estariam visualmente em situação de rua. Já o ponto negativo não desenvolvido abarca o inexplicável personagem de Antônio Pitanga, que simplesmente só tem uma cena.

Como "o filme que se passa em externas", é cheio de contradições e não acontecidos, talvez apenas uma moldura para um quadro que se pensava superior, mas não deixa de ser extremamente feliz ver o branco como personagem periférico, sem espaço, apenas um borrão no fundo das cenas, relegado ao lugar ao qual tanto subjuga pertinente a minorias como um todo. Viviane se mostra uma cineasta inteligente ao, sutilmente, mudar o status quo ao menos dentro da estrutura que ela controla. Ao partir para o miolo que lhe interessa, já assinou autoralidade em sua obra. Ainda assim, me parece que a parte inicial do filme era muito hábil em sua construção para não demandar um cuidado maior. 

Ainda que haja pouca invenção no que quer contar, que é essencialmente o encontro e as trocas entre suas protagonistas, resvala em afeto crescente aquele microuniverso. Escolher não transformar em imagem a fabulação constante de Jerusa é talvez o acerto maior do projeto, que dá a essa mulher o seu lugar de direito mestra das palavras, é através da linguagem, e não do palpável, que o filme constrói sua estrutura emocional. Silvia, a ouvinte, vez por outra se conecta ao material oral e "se transporta" para o lugar narrado, mas é um recurso usado com extrema parcimônia e sempre de maneira objetiva, pra logo retomar o seu prumo.

Tem alguma elegância as decisões estéticas de Viviane, como a cena inicial do acidente e o fato de nunca construir um laço definitivo, nem para essa cena quanto para algumas outras; como sua personagem, a diretora felizmente confia o suficiente na elaboração do seu espectador. Com carisma e bom humor, Um Dia com Jerusa escolheu o caminho da leveza ao reconfigurar os erros sociais que até hoje são cometidos mas que tem sua base na História da sociedade. E se eventualmente o filme até flerta com uma sofisticação que não é constante, a certeza por um material mais afetivo que reflexivo é também é uma opção clara. 

Ao contar com uma iluminada Lea Garcia e entregar a ela o protagonismo que sempre lhe escapa, Viviane ultrapassa a inteligência e, sem querer, corrige uma falha histórica e exemplifica com a mesma sutileza que permeia suas escolhas o apagamento sistêmico que a sociedade tentou legar à atriz ela representando toda uma classe artística invisibilizada. Ao lado de sua coprotagonista vivida por Débora Marçal, Lea abre as cortinas de uma tradição de contadoras de histórias do qual sua diretora se ocupa em ser a versão do futuro das sábias mulheres ao redor da fogueira, aqui metaforizada mas ainda imersa em eficiência. 

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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