Saltar para o conteúdo

Dias Sem Tereza, Os

(Os Dias Sem Tereza, 2018)
6,8
Média
3 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Os monstros de todos nós

7,0

Em determinado momento de Os Dias sem Tereza, flagramos os personagens desse soturno drama de Thiago Taves Sobreiro assistindo A Vila. Quando no clímax do filme capas de chuva são vestidas a rememorar o hoje clássico longa de M. Night Shyamalan, as mensagens de 2004 ecoam na tela. Os monstros não existem, os monstros somos nós, cada qual escolhe que tipo de monstro quer ser na vida alheia - e tudo parece se encaixar nesse longa mineiro que foi selecionado para o prestigiado BAFICI, na Argentina. Sem heróis ou vilões, mas com uma abordagem que significa suas imagens a partir de pautas onipresentes no cinema, Sobreiro faz uma peça de cinema que também é consciente do momento em que vivemos.

Até o quebra cabeças narrativo começar a se encaixar, uma parte considerável da duração terá se passado, sem evadir interesse no projeto. Não que algo de muito surpreendente seja exposto - e nos últimos 10 minutos ainda é feita alguma revelação tardia - ou que isso seja um problema propriamente, o clima de suspense instaurado tem mais ligação com o futuro do que com o passado em tela. Mas até o trabalho de distensão do tempo, que acomete tantos filmes sem prejudicá-los a priori, tem algumas ressalvas no resultado final, prejudicando o ritmo e a cadência do todo. Uma montagem mais efetiva asseguraria dinamismo sem perder a contemplação escolhida, apenas regularia o equilíbrio geral.

Sobreiro de cara assume um viés feminino muito marcado, desde a cena de sexo delicada que abre o filme. Aos poucos, ele se abre para discussão do amadurecimento e da emancipação, a liberdade de escolha que ainda é negada a inúmeras mulheres e o empoderamento tão positivamente comum hoje protagoniza ao menos uma ótima cena dividida com Rômulo Braga. O filme joga com a representação do sangue, símbolo da vida e da morte, para metaforizar a chegada de uma nova fase do corpo feminino, mas também para enxergar o lado mais agudo de uma rivalidade alimentada pela sociedade de maneira irresponsável.

'Os Dias sem Tereza' também é um filme sobre deslocamento de corpos nos dias de hoje. O sexo, a morte, a corrida, tudo é problematizado a partir de ações corpóreas que dizem o oposto do que normalmente está sendo mostrado; o gozo através de áudio, os crimes planejados sem realização. Do lado do avesso, todas as coisas parecem estagnadas, a começar pelo cativeiro abandonado. Nesse lugar, o corpo feminino é moderno evolutivo, enquanto o masculino nada mais é do que idiotizado através das toxicidades de atitudes ou de falas de homens que, no geral, reproduzem o patriarcado de maneira viciada, ainda que claramente todos eles em cena contribuam para o equívoco de seus lugares.

O autor ainda comunica muito de seu roteiro através das músicas que escolheu para o longa, sempre acertada em cada decisão. A começar pelo 'SOS' do Abba cantado pela protagonista sequestrada, indo até 'Tô Fazendo Falta' na voz de Joanna, chegando em 'The Sweet Scape' cantado por Gwen Stefani, todas as canções muito representativas dos estados onde são inseridas, pra representar sarcasmo ou seriedade. A própria trilha incidental, também responsável por sublinhar as tentativas de suspense do longa de maneira eficiente e que pontualmente recorda ao espectador que não é uma comprovação de tese, mas essencialmente cinema e seus artifícios.

O protagonismo de Malu Ramos e Dellani Lima é beneficiado pelas questões que o filme encampa, de observar e capturar cada monstro interno nosso e realçar as humanidades dos mesmos. Sem excessos ou closes intrusivos, tanto Malu quanto Dellani investem na contenção diante de um quadro de opressão social que afeta homens e mulheres. Ainda que o filme tenha verdadeiramente uma ausência de concisão temporal, expandindo suas cenas para além do caráter contemplativo, é através dessa relação no fio da navalha que fica fácil comprar metaforicamente sua mensagem, que vez por outra desce óbvia. Ainda assim, a estranheza positivamente generalizada do projeto o credencia a ser visto com atenção e certo entusiasmo.

- Visto no 13º CineBH 2019

Comentários (0)

Faça login para comentar.