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Críticas

Cineplayers

Duro de aguentar.

4,0

Nos primeiros trinta minutos de Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer (A Good Day to Die Hard, 2013), o protagonista John McClane é atropelado e capota seu carro duas vezes, saindo de todos os incidentes sem um único arranhão. É o típico super-herói dos filmes de ação norte-americanos, invulnerável e invencível, capaz de pular de prédios de dezenas de metros de altura e sair caminhando como se nada houvesse acontecido. Ou seja, é o oposto do John McClane original visto em Duro de Matar (Die Hard, 1988), um personagem que caiu no gosto do público e se tornou icônico exatamente por ir na contramão do cinema do gênero da época ao apresentar um lado humano, de carne e osso, ao seu herói. Ao contrário dos exércitos-de-um-homem-só de Stallone e Schwarzenegger, o protagonista interpretado por Bruce Willis se machucava de verdade, sofria e até tinha medo de morrer. Foi o segredo do sucesso e o grande diferencial que fez daquele filme uma referência até hoje para o cinema de ação.

A essência do John McClane criado por Willis e pelo diretor John McTiernan, no entanto, começou a ser desvirtuada pouco a pouco nas sequências. Ainda que o personagem mantivesse o espírito sempre irônico e a sensação de que adoraria estar em qualquer outro lugar, as continuações da obra original reduziram, a cada novo filme, a fragilidade do herói, chegando até o indestrutível McClane visto neste Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer, que em nada deve a um John Rambo ou a um John Matrix. Não seria exagero algum afirmar que, se fosse protagonizada pelo John McClane deste último filme, a obra original seria um curta-metragem, com o mocinho eliminando Hans Gruber e todo o seu séquito em dez minutos, dando tempo ainda de curtir a festa de Natal no Nakatomi Plaza ao lado de sua ex-mulher.

Evitando novamente a limitação de espaço que também caracterizou os dois primeiros exemplares, Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer leva McClane à Rússia, onde parte em busca do filho com quem não fala há anos. E os problemas já começam aí. O roteiro de Skip Woods – responsável também por coisas como Hitman – Assassino 47 (Hitman, 2007) e X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine, 2009) – mostra toda a sua preguiça logo nesse primeiro ato, criando uma noção de tempo que somente ele parece entender. Vejamos: Jack é preso em Moscou e se torna testemunha-chave de um julgamento que para o país. Enquanto isso, McClane, que procurava saber sobre o filho há anos, recebe informações sobre a prisão de Jack e decide ir para a Rússia encontrar e tentar ajudá-lo. Essa sequência de ações, que, em uma passagem de tempo lógica, levaria no mínimo algumas semanas para ocorrer, acontece de um dia para o outro! É como se, desde o início, o roteirista deixasse claro para o espectador que nada fará sentido na produção.

Dirigido por John Moore – os motivos para alguém colocar o homem por trás de Max Payne (idem, 2007) no comando de uma série tão querida pelo público fogem a qualquer explicação racional –, Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer também erra ao estabelecer em suas primeiras cenas um clima mais pesado que o habitual para a franquia, parecendo se levar a sério demais. Nos minutos iniciais, é praticamente impossível adivinhar que se trata de um exemplar de Duro de Matar, tamanha é a ausência do clima de descontração que predominava nas produções anteriores. Na verdade, mesmo quando o filme finalmente tenta apresentar o McClane que o espectador conhece, o tiro acaba saindo pela culatra, uma vez que o humor presente em Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer erra o alvo na maioria das vezes.

E a culpa sobre isso recai tanto sobre Moore quanto sobre seu roteirista. Sim, as piadas são fracas e repetitivas – sem exageros, a frase “Eu estou de férias” deve ter sido repetida pelo protagonista no mínimo cinco vezes –, porém o cineasta demonstra não possuir qualquer senso de timing cômico, estendendo-as até o limite do insuportável. É o caso, por exemplo, da “graça” envolvendo um taxista cantor: mesmo se a piada inicial fosse boa (não é, só pra ficar claro), o grande erro é Moore insistir de maneira inexplicável na gag, talvez com a certeza de que o material é brilhante. E o que dizer da ridícula cena na qual Jack, um agente treinado da CIA, mostra o dedo a um dos vilões? Esses erros de julgamento, aliás, podem ser percebidos em diversos outros momentos, como ao “inventarem” um material químico milagroso que neutraliza radiação ou na cena que mais representa um filme preguiçoso e tomado de lugares-comuns: aquela na qual o vilão prefere ficar conversando com o mocinho ao invés de eliminá-lo de uma vez.

Os problemas do roteiro, no entanto, não param por aí. Como se não bastasse o enredo em si não fazer muito sentido – e a “revelação” do verdadeiro vilão da trama jogar qualquer resquício de lógica por água abaixo –, o texto de Wood apresenta alguns dos piores diálogos do ano (“Eu poderia ser um dançarino, mas ninguém me incentivou”), jamais chegando perto das tiradas espirituosas que McClane largava em outros filmes. Da mesma forma, Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer aposta em situações que se revelam claras muletas de roteiro, destacando-se pela artificialidade extrema, como a cena em que McClane fala sobre o seu passado com um cientista, mesmo que estejam correndo contra o tempo, ou a no mínimo vergonhosa ideia de tentar destacar um de seus vilões ao apresentá-lo comendo uma cenoura(!), como se essa fosse uma grande característica do personagem.

E, já que o assunto é vilão, vale ressaltar que a falta de um antagonista é outro elemento que prejudica o filme. Um personagem do calibre de John McClane precisa de um oponente à sua altura, o que não ocorre em Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer. Na verdade, a nova produção não consegue nem ao menos se decidir sobre quem é o verdadeiro antagonista, apresentando no mínimo três vilões que enfrentam os heróis. Essa diluição não funciona bem em um filme como esse, que clama por um Hans Gruber, por um Simon ou até mesmo pelo oponente vivido por Timothy Olyphant na obra anterior.

Mas o grande erro de Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer não está exposto nas linhas acima. A escolha mais inexplicável de John Moore e Skip Wood, aquela que não faz o menor sentido e chega a ser até revoltante para os fãs da série, é transformar John McClane em nada mais do que um coadjuvante de luxo. Sim, acreditem: o protagonista do filme é Jack, e não McClane. Ao personagem de Bruce Willis, cabe o papel de parceiro de seu filho, aquele que apenas segue as ordens do outro e – ainda mais revoltante – serve como alívio cômico da produção, soltando uma piadinha vez ou outra. Muito mais do que tirar de McClane o seu lado humano para transformá-lo em um desenho animado, é essa escolha (intencional ou não) dos realizadores que realmente se torna inaceitável, fazendo do filme algo ofensivo aos fãs.

Para piorar, a própria relação entre McClane e Jack é explorada de forma rasa e superficial. Não apenas não há qualquer desenvolvimento ou lastro emocional para esse que é o verdadeiro núcleo dramático da narrativa como tudo também se desenvolve em cima de clichês. Existe, por acaso, algo mais batido do que o filho chamar o pai pelo nome de modo a demonstrar sua insatisfação? E quem ainda duvida que, ao final, esse mesmo filho o chamará de “pai” pela primeira vez, simbolizando que está tudo bem entre os dois? É um recurso narrativo velho, explorado milhões de outras vezes pelo cinema. Na verdade, o relacionamento entre McClane e Jack é tão desleixado que até mesmo a química entre Bruce Willis e o personagem de Justin Long, no último filme, foi melhor – e se ver McClane e seus dois filhos juntos ao final rende um sentimento bacana, isso se dá mais pelo apelo do personagem junto à plateia do que pelo que foi feito nessa produção.

Se o roteiro é vazio e repleto de furos, nada muito diferente pode ser dito em relação ao trabalho de John Moore na direção, mais um adepto da câmera tremida e dos cortes excessivos que estragam grande parte dos filmes do gênero. Na realidade, parece até que o cineasta aprendeu algumas coisas durante a própria produção de Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer. Isso porque a primeira sequência de ação envolvendo uma perseguição de carros em Moscou é absurdamente caótica, mal dirigida e montada, sendo impossível ter a menor ideia do que está ocorrendo. No entanto, Moore ainda consegue, em momentos posteriores, criar algumas cenas interessantes, pelo menos do ponto de vista estético, como aquela que acompanha a dupla de heróis em câmera lenta pulando de um prédio. E, verdade seja dita, há ao menos duas homenagens ao filme original que são capazes de colocar um sorriso no rosto da plateia: o momento no qual McClane e Jack atiram nos vidros em meio a um tiroteio e, principalmente, a forma como o cineasta filma a queda de um vilão no terceiro ato.

Porém, por mais que aqui ou ali haja alguma ideia interessante ou que ocasionalmente consiga capturar o espírito sardônico de John McClane, a verdade é que em Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer o personagem mais parece uma cópia de si mesmo, com piadinhas fracas e uma invencibilidade que o deixa apenas com um herói genérico, sem a personalidade e a identificação que o destacaram. E, quando até mesmo sua clássica fala “Yippee-ki-yay” é utilizada de forma aleatória, é inevitável pensar que talvez esteja na hora de John McClane ser aposentado de vez. Por mais duro que seja.

Comentários (28)

Caio Gouveia | quinta-feira, 30 de Maio de 2013 - 15:54

Decepção.

Se o quarto filme da franquia já havia diminuído a qualidade, este quinto consegue ser ainda mais fraco.

A impressão é q a direção do filme e o roteiro, se renderam a piadinha "John Mclane facts" e realmente acreditaram na estúpida ideia de q John é um herói invencível, algo q NADA tem haver com os primeiros dois filmes (em especial, o original).

O roteiro em si, tem várias situações forçadas, até mesmo para um filme de ação (q não é desculpa para ser "descuidado").

Vejamos: McClane chega a um país estranho e a impressão q nos passa é q 5 min depois ele já está roubando carros, atirando em caras armados q ele sequer sabe quem são, arrobando e destruindo tudo! Tudo isso, sem exitar um minuto sequer. Quando pelo menos 10 bandidos armados invadem um determinado local, ele simplesmente posta-se de pé com uma metralhadora gigante e sai metralhando estes, sem tirar os pés do chão, ou tentar esconder-se. É o oposto do McClane original.

Caio Gouveia | quinta-feira, 30 de Maio de 2013 - 15:55

Sem contar o co-protagonista Jack...ranzinza e antipático o filme todo. Não consegue estabelecer laço nenhum com o público.

Alexandre Marcello de Figueiredo | segunda-feira, 10 de Junho de 2013 - 20:04

Duro de aguentar mesmo! John McClane como coadjuvante do próprio filho definitivamente não dá.

Vinícius Oliveira | terça-feira, 02 de Julho de 2013 - 22:07

Duro de Matar 3, mesmo sendo abaixo dos dois primeiros, conseguia ser um triller interessante, até certo ponto imprevisível, com um vilão bem destacado e dois mocinhos que ora se apoiavam, ora não se suportavam, o que proporcionava ótimos momentos. O 4.0 já havia deixado muito a desejar, pois o personagem de Bruce Willis já começava a ganhar contornos de super herói. O que dizer daquela emblemática cena do F-35 atirando a esmo em um caminhão dirigido pelo herói, que mesmo assim, consegue escapar de forma inexplicavel e mágica??. Se o absurdo ja se tornava evidente em Duro de Matar 4.0, o que dirá deste novo exemplar. John Mclane, assim como Wolverine de X-Men, se tornou um personagem desgastado, mais por culpa dos filmes ruins em que atuou, e sem qualquer análise sensata, jogam toneladas de lixo cinematográfico em cima de nós, filmes bizarros que privilegiam um público ávido por ação e nem um pouco interessado na narrativa, ou em um roteiro sortido e coeso. Mataram John Mclane!!!

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