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Ele está de Volta

(Er ist wieder da, 2015)
7,0
Média
83 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um filme atual, com um tema incômodo, que nos mostra as entranhas de uma doença que não ousamos enfrentar.

7,5

O povo alemão tem um caráter introspectivo muito maior que muitos de nossos irmãos de outras raças. Então o humor daquele país não possui a leveza existente em outras plagas e resvala quase sempre no sarcasmo. Aqui não é diferente.

Um dos recursos utilizados pelo cineasta é o uso constante de câmeras escondidas, que pegam o personagem principal em situações do cotidiano, de modo imprevisto, como se tudo não passasse de uma reportagem de telejornal. Nesse corpo a corpo com o povo alemão, levado em tom de pilhéria, o que se extrai é preocupante: a conclusão é aquela de O Ovo da Serpente (Serpent's Egg, The, 1977) de Bergman, ainda que agora a situação alemã, não resvale na penúria de antanho.

Hitler quereria hoje uma aliança com o Partido Verde (talvez pela firmeza de opiniões destes últimos, que se enclausuram dentro de suas próprias ideias, como se não existisse uma sociedade a ser reformada e educada - imposição não conduz a mudanças). Ainda que meio incoerente, o grande mote do filme é que com o passar do tempo, participamos da brincadeira e somos pegos desprevenidos: o discurso nazista ainda encontra eco na sociedade.

O desejo dos produtores era claro. Extrair de quem assistisse grossas risadas, ainda que com o fórceps (repito, o humor é pesado). Infelizmente (e a culpa não é totalmente deles; - é da formação materialista positivista/marxista com que somos educados) o filme mais propaga o que deseja efetivamente denunciar. Mesmo quando Hitler visita a sede do antigo NPD que o sustentou outrora, ou quando é espancado por neonazistas que o acusam de ser cópia falsa a querer ridicularizar o führer.

A grande virtude do filme é desmascarar a construção de um monstro que teria seduzido e conduzido todos a um precipício. Hitler não aparece como um louco tresvariado; ao contrário, surge patético, ridículo, mas cheio de carisma. Seus pontos de vista nunca são criticados e ele cai em desgraça, não pelas opiniões que defende, mas sim por uma atitude isolada (mata um cachorrinho que o atacava).

O diretor (repito, a culpa não pode ser creditada somente a ele) acaba por espalhar um sentimento de mal-estar com a obra, atualizando um discurso extremo quando a Europa se vê a frente com o problema dos refugiados de várias localidades do mundo. Quando os créditos finais surgem, aparecem as imagens dessa realidade e a presença da xenofobia surge clara. Seis décadas após seu aniquilamento físico, Hitler retorna numa época em que a Alemanha não se encontra feliz. E a proposta de salvação nazista surge em vários pontos com roupa nova e recheio antigo. Quem irá dar cumprimento a ela? Quem tiraria do posto a mulher que ousava comandar o país? E esses turcos e outras raças que perambulam pelas ruas? Quem vai colocar a Europa novamente nos trilhos?

O que choca nisso tudo é vir à tona algo que Freud pressentiu na Alemanha de Weimar e que procurou explicar. Em O futuro de Uma Ilusão, texto de 1927, Freud tenta desvendar o fenômeno religioso enquanto forma de conhecimento do mundo, culpando-o pela origem da alienação, superstição que nos conduz ao precipício. Freud na realidade não se dá conta que o que realmente é preocupante não é a religião no sentido primeiro de sua origem, mas sim a visão heterônoma dada a esta, que impregnou certas doutrinas materialistas como o Marxismo e o Positivismo e até a visão de mundo do próprio psicanalista no texto citado e em O Mal-estar na Civilização. Se líderes como Hitler se utilizaram consciente ou inconscientemente da indolência e da insensatez das massas que desejam se perpetuar na história dando vazão a seus impulsos destrutivos, nem que seja se projetando em líderes que se negam a ser cerceados por leis que visam proteger a conquista cultural adquirida a custo pela humanidade. Daí essa ideia de que determinado povo está fadado a ser servido, em detrimento de outro, não conseguindo mais enxergar nos outros quaisquer resquícios de dignidade e merecimento. Hitler ainda que dissecado de forma crua e risível pelas lentes do filme, acaba dessa forma ganhando nosso olhar complacente. E nos esquecemos de todo o discurso que existe atrás de si, pelos sofismas vagos com que o toleramos: “Ele é original!”, “Ele fala e faz o que pensa”., “ele faz uso de sua liberdade.”, ...

E dessa forma ele canaliza em si todas as nossas frustrações, torna-se uma espécie de Moisés que pode nos conduzir a terra prometida, mas que nos guiará a um deserto infértil, pois ao nos deixarmos levar, destruiremos todas as conquistas civilizatórias conquistadas com sacrifício e lutas através dos séculos.

Por essa razão um filme que apesar de ser muito bom, não se apresenta curial. A educação heterônoma com que ainda se formam as novas gerações não permite o necessário distanciamento ao se assistir uma obra como essa. Um filme que seduz, pelo que deveria ojerizar. Ao menos aqui a produção é vítima do próprio tema. Ao contrário de Tarantino que com seu Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009), sabia muito bem o que pregava (e as plateias atônitas com o deslumbre artístico, nem se deram conta).  O veneno nazista está à espreita e seu odor nauseabundo requer novas vítimas. O que Hitler representou não está de volta, pois sempre o quisemos presente.

Participação do autor convidado Conde Fouá Anderaos

Comentários (1)

Bruna Rodrigues | sexta-feira, 08 de Setembro de 2023 - 18:41

Interessante o filme pretender reconstruir uma figura tão demonizada com um ar "patético, ridículo, mas cheio de carisma". O gênio do mal não existe e a mobilização de multidões ocorre de forma nada hipnotizada. A partir da crítica, consegui traçar muitos paralelos com líderes tão patéticos quanto e que não ficcionalmente circulam por aí.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 15 de Setembro de 2023 - 11:20

A pontuação da obra passa bem por isso, como através do ridículo aceitamos o crescimento de uma figura dessas na contemporaneidade. Parafraseando - e adaptando - Karl Marx, a desgraça é vendida "primeiro como tragédia, depois como farsa."

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