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Críticas

Cineplayers

Apesar de simplista para o diretor, filme consegue inovar dentro de um tipo de história já batido.

7,0

Magnólia, trabalho anterior do diretor e roteirista Paul Thomas Anderson, partia de um conceito e uma elaboração muito firmes para construir um filme quase sem concessões. Era um filme estritamente ligado a uma idéia e ponto final. Daí a sua não convencionalidade em termos narrativos, dramáticos e até técnicos. Embriagado de Amor é ainda mais radical nesse apego a um conceito; isso porque a história a ser contata aqui é até simples se comparada com o mosaico de situações paralelas, que se cruzam e que se chocam de Magnólia. 

A história basicamente se refere a um homem já quase na meia-idade, cheio de problemas de relacionamento com as outras pessoas, cheio de traumas, manias e excentricidades que ele tenta mascarar sob uma fachada de empresário bem sucedido, que em um belo dia se apaixona e – o que parecia improvável – é correspondido. Esse homem é Barry Egan interpretado por Adam Sandler e seu interesse amoroso é Lena (Emily Watson). Com a exceção de um ou outro desvio de curso, Embriagado de Amor gira somente diante dessa história de amor.

Ninguém apostava que após toda a recepção acalorada de Magnólia, seu idealizador fosse se enveredar para um trabalho de temática tão batida. A questão é que Paul Thomas Anderson parece justamente querer dar novo fôlego, nova vitalidade ao gênero romântico a partir de uma leitura própria da paixão. É esse o seu conceito, a sua idéia central agora. Saem de cena os complicados conflitos de culpa, arrependimento e redenção de Magnólia e entra a não menos complicada paixão de Embriagado de Amor. Olhando por esse lado, sua opção não parece tão despropositada assim, ainda mais quando se constata que ele mantém a maior parte de seu vocabulário cinematográfico.

O que salta aos olhos é que Paul Thomas Anderson investe pesado na construção de Barry Eagan. Seria impossível o filme transmitir qualquer credibilidade ou eventual emoção sem esse protagonista conflituoso bem. Embriagado de Amor abre com uma cena de Eagan ao telefone, cedo da manhã, querendo saber detalhes de uma promoção em que, comprando certos produtos alimentícios, seria possível acumular milhagens em passagens aéreas. É em um furo dessa campanha promocional que ele vislumbra um bom negócio. Com isso, de cara, portanto, Eagan e sua excentricidade já são estão postas. Com o decorrer do filme, novos fatores são acrescentados à personagem, como a insuportável situação de ser irmão mais novo de sete irmãs. À essa dominação feminina pode-se creditar parte de sua falta de auto-confiança, desajuste e destempero. Nesse processo, a outra peça, responsável por dar vida a toda essa concepção, é ninguém mais ninguém menos que Adam Sandler.

Em mais uma audácia de Paul Thomas Anderson, o famoso comediante de filmes pouco ambiciosos e até medíocres, é escalado para ser o esteio de Embriagado de Amor. Mas, por incrível que possa parecer, Adam Sandler funciona incrivelmente bem no filme e cria um Barry Eagan natural, palpável, com todos os seus conflitos e perturbações visíveis. Sem usar cacoetes ou vícios a que atores como ele se acostumam, Adam Sandler se despe da sua figura sempre engraçadinha e linear para cair em uma atuação de sutilezas. E aposto que Paul Thomas Anderson foi crucial nesse processo, pois mesmo trabalhando com um sem fim de atores como em Boogie Nights e Magnólia, o altíssimo nível das interpretações sempre se mantém.

Para além do excelente protagonista, Embriagado de Amor traz de novo, como já dito, as experimentações que marcaram Paul Thomas Anderson. As longas cenas sem corte, com longos diálogos foram mantidas e, junto com a música dissonante e com os enquadramentos inesperados e reveladores, dão o tom do filme. É uma ambientação diferenciada e quase onírica. Anderson se supera na prática do cinema como comunicação visual e é nas imagens bem elaboradas, na pesquisa de como tal cena pode ser trabalhada para se extrair o máximo de dramaticidade possível (mesmo que por caminhos pouco previsíveis) que Embriagado de Amor funciona e se revela mais um interessante exercício de cinema. A cada cena há algo instigante e novo através dos recursos de que ele faz uso. 

E, se até agora todos esses recursos de Paul Thomas Anderson tinham funcionado integralmente bem, aqui alguns deles soam como pouco úteis à narrativa. A tal idéia montada na cabeça do idealizador não funciona como deveria na tela especialmente no que diz respeito ao roteiro. Dentro daquela máxima que diz que de perto ninguém é normal, Embriagado de Amor tem boas seqüências como o momento em que Eagan e Lena, ao acordar, revelam seus estranhos desejos em relação ao outro e, nos momentos em que Eagan se irrompe em violência estourada para defender seu amor. São cenas engraçadas, inusitadas, mas que também compõem bem as personagens. Se isso dá certo, outros recursos não parecem surtir tanto efeito, como o piano que aparece simbolicamente no começo meio que sendo uma metáfora do amor que arrebata Eagan e a qual ele desconhece de início. Parece que Paul Thomas Anderson sentiu-se obrigado a repetir o tal simbolismo da chuva de sapos aqui, só que em um recurso jogado logo no começo do filme e que pouco é lembrado no final. Fica mais como um coadjuvante estranho que como um recurso marcante e primordial. A subtrama iniciada com uma ligação para uma empresa de tele-sexo se desenvolve além do necessário e acaba desviando o foco de um filme a princípio tão centrado. Parece um resquício de se fragmentar a narrativa que Paul Thomas Anderson não conseguiu domar plenamente.

Embriagado de Amor é bom justamente quando foca no amor entre Eagan e Lena. É a sua concisão dentro de um assunto de início óbvio que o torna interessante. Olhado com percepção inteligente e não simplista ele pode ser trabalhado quase que como um assunto inédito. Mostra que não é preciso, para ser revigorante, buscar caminhos muito abstratos e vanguardistas, pois mesmo o mais cotidiano dos sentimentos é de uma complexidade e valor enormes. No final, porém, Paul Thomas Anderson parece ter se dado melhor com os caminhos mais recortados em Magnólia, pois mesmo tentando centrar-se em algo mais puro, sua mentalidade fragmentada e complexa ainda se faz notar.

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