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Críticas

Cineplayers

No mar de filmes inspirados por Matrix, Equilibrium consegue se sobressair entre todos eles.

8,0

Equilibrium é a melhor coisa que surgiu no gênero ficção-científica de ação desde Matrix, em 1999. Aliás, é com Matrix que este filme vem sendo comparado, desde que foi lançado, no segundo semestre do ano 2002 nos Estados Unidos. Ele vem ganhando uma legião de fãs e admiradores que vem crescendo aos poucos, que é – e vai ser cada vez mais – uma legião de fãs árduos. Algo que aconteceu na década de 80 com Blade Runner, e mesmo em 1999 com Matrix (só que este último em escala muito maior). É, portanto, um daqueles famosos filmes-cult, feitos geralmente com orçamento baixo a moderado, que foi um fracasso nos cinemas (custou U$ 20 milhões e não teve nem 10% do valor retornado aos cofres da produtora), e ainda assim, por possuir características marcantes, tem uma horda de fãs.

Antes de tudo é importante dizer que Equilibrium está sendo comparado um tanto quanto erroneamente com Matrix. Um tanto quanto, mas não totalmente. Explica-se: o gênero é o mesmo, ficção-científica de ação; o herói do filme, John Preston (interpretado por Christian Bale), é uma caricatura de Neo, inclusive com o mesmo jeitão e roupas parecidas durante todo o filme; assim como Matrix, Equilibrium passa-se num futuro devastado, mas agora o homem não é escravo das máquinas, e sim dele mesmo; finalmente, o filme contém algumas cenas de ação que são inclusive superiores às do primeiro Matrix, embora o orçamento limitado tenha feito com que a quantidade de ação encontrada no filme seja bastante inferior.

Mas Equilibrium é também um filme diferente de Matrix. É muito mais humano e pessoal sobretudo: John Preston, o personagem central, é muito mais frágil (e, portanto, interessante) que Neo. No geral, a comparação é válida, mas não deve ser levada ao pé da letra. Equilibrium recorre mais uma vez ao tema do futuro negro, encontrado em tantas obras famosas e em outras nem tanto, como Blade Runner, Cidade das Sombras, Brazil – O Filme, A.I. – Inteligência Artificial, etc. À princípio, parece ser o mesmo velho clichê de sempre (e não deixa de ser): após a temida Terceira Guerra Mundial ter acontecido, nos primeiros anos do século XXI, os sobreviventes resolvem cortar a possibilidade de existência de uma futura guerra (que, segundo eles, aniquilaria de vez com todos), acabando com o principal motivo que leva a elas: os sentimentos.

“O Pai”, como é denominado o grande líder dessa nova sociedade, tem à sua disposição uma droga que deve ser injetada diariamente no organismo de todas as pessoas (por lei), para inibição de qualquer tipo de sentimentos. Os humanos passam a agir como robôs, mas ao menos estão livres dos piores males da humanidade, principalmente das guerras. Além disso, tudo que desperta qualquer tipo de emoção ou sentimento é terminantemente proibido no mundo de Equilibrium: arte, música, amor... Quem é possuidor de algum desses objetos ou emoções é simplesmente aniquilado (morto) por lei. Obviamente, há um enorme grupo de resistência que é contra a extinção dos sentimentos, e John Preston é um dos “sacerdotes” (os agentes do sistema mais respeitados e mais sapientes) que trabalha para exterminar essa resistência. Avassalado por um passado triste que, mesmo com a inexistência de emoções, corrói a sua mente, Preston acaba ficando sem tomar a droga durante um dia, e não consegue mais viver sem sentir emoções. Ele quer tê-las, mas tem que fazer de tudo para esconder das autoridades maiores e de seu novo parceiro.

Esse é um resumo geral da história de Equilibrium, que ainda possui inúmeros pormenores, detalhes, que a tornam ainda mais interessante. Há vários personagens coadjuvantes muito bons, como o antigo parceiro de Preston (interpretado por Sean Bean), uma mulher da resistência ao sistema (Emily Watson) e o próprio “Pai”. O roteiro coloca várias reviravoltas no caminho de John, e felizmente todas elas conseguem elevar a história sempre um nível em termos de qualidade, o que faz com que o clímax do filme chegue com um tom até mesmo épico para o personagem. Infelizmente, porém, os personagens coadjuvantes não receberam o mesmo tratamento do roteiro e, embora sejam interessantes, não foram devidamente aproveitados. Servem apenas como ferramenta para o personagem do ator Bale se desenvolver. Por um lado isso é bom, já que torna a figura central do filme marcante; mas por outro lado faz com que os outros personagens sejam esquecíveis logo após o filme, infelizmente.

Outro ponto negativo de Equilibrium: embora a premissa seja bastante interessante e razoavelmente bem fundamentada, fica difícil acreditar que, mesmo após uma hipotética Terceira Guerra Mundial, a população como um todo se deixaria levar por um sistema que tira dela a permissão de ter qualquer tipo de emoções. Além disso, as próprias leis do sistema são às vezes risíveis: no início, é mostrada uma imagem de Hitler, como um exemplo de repressão que não deve acontecer novamente no nosso mundo; mas o próprio sistema implementado não dá a menor chance de explicação para quem o infringe, tanto que em certo momento a recomendação do “Pai” é a de matar sem dó todos os rebeldes. Oras, qual a diferença dessas ações para as de Hitler? Hitler tinha mais coração... Essas são algumas características forçadas do roteiro, que estão lá para tornar os objetivos de Preston mais difíceis, ao menos. Se você conseguir ignorá-las, vai conseguir apreciar toda a história numa boa.

Mudando um pouco de foco agora, as cenas de ação encontradas em Equilibrium são um capítulo à parte, e vão fazer os fanáticos pelo gênero, mesmo se ignorarem a história forte e interessante do filme, irem atrás da fita. Sem muitos recursos à disposição para encher a tela de efeitos especiais, o diretor Kurt Wimmer inventou, dentro do filme, uma modalidade de luta que utiliza armas de fogo (o estilo de luta tem inclusive um nome, do qual não me lembro agora). É basicamente um monte de piruetas ágeis que, se bem realizadas, fazem do seu mestre um assassino capaz de aniquilar dezenas de inimigos sozinho. John Preston é um dos maiores mestres desse estilo de luta, e você pode ter certeza que ele vai mostrar alguns movimentos de babar durante o filme. As coreografias ficaram excelentes e bastante impactantes (utilizam alguns efeitos por computação, mas aparentemente apenas para retocar as lutas), e a maioria delas é de cair o queixo.

John Preston é um herói que possui habilidades físicas incríveis, mas que por dentro vive atormentado por um grande dilema existencial. Chega a lembrar um dos tantos personagens de Stan Lee. Equilibrium pode ser visto como um filme de super-herói sem problemas – Preston seria um típico. Os efeitos especiais, usados em sua maioria para recriar uma metrópole futurista, estão decentes. O filme passa-se a maior parte do tempo em ambientes internos, o que faz com que eles não incomodem muito os espectadores mais exigentes nesse requisito. O filme conta ainda com uma trilha sonora bastante inspirada, que dá um clima melhor para as cenas de ação e tensão do filme. Não chega a ser uma trilha memorável, mas boa o suficiente para ser bem citada.

Equilibrium é um filme que vai ser lembrado pelos seus fãs nos anos a seguir. Com um roteiro sólido, boas atuações (se levarmos em conta o gênero), e cenas de ação de tirar o fôlego – tudo isso com um orçamento modesto – este filme é uma belíssima surpresa no gênero, tão desgastado desde que Matrix foi lançado em 1999 e várias cópias encheram as prateleiras das locadoras, uma pior que a outra. Claro, o próprio Equilibrium possui elementos que parecem “chupados” de Matrix, mas não se esqueça que poderia ser dito que Matrix possui elementos chupados de outros filmes anteriores também (Cidade das Sombras é talvez o mais óbvio deles, em termos de enredo principalmente). Não é um filme revolucionário, apenas uma ótima história executada de forma correta e com pouquíssimas derrapadas.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 14:18

Bom filme. Bale se sai muito bem nas cenas de luta, que são fantásticas.

David Nascimento | quinta-feira, 09 de Abril de 2015 - 01:56

Acho que a discrepância da situação em que o "pai" cita Hitler é proposital, uma ironia dentro do roteiro.

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