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Críticas

Cineplayers

Apesar de o resultado final não agradar completamente, seu estilo de folhetim pode agradar ao público brasileiro acostumado a esse formato.

5,0

Conheça Frank Goode (Robert De Niro). Aposentado e viúvo, já na faixa dos 60 anos, sua principal ocupação são os afazeres domésticos. Quando o filme começa sua narrativa, ele parece feliz e mais ocupado do que o habitual. Limpa os recintos com aspirador de pó, apara a grama do jardim, corta os galhos secos das árvores, rega as plantas, enche a piscina de plástico. Entre uma tarefa e outra, um descanso para tomar um sol do meio da tarde.

Não satisfeito, Frank vai ao supermercado. Compra carne e vinhos de qualidade. Deixa-se cair na conversa de um vendedor, e leva também um churrasqueira nova. Uma grande festa vem por aí e Frank quer impressionar. Afinal, não é todo dia que ele consegue reunir, na sua casa e de uma só vez, seus quatro filhos, todos eles residentes em diferentes pontos dos Estados Unidos. São eles: David, o artista gráfico que reside em Nova York; Robert (Sam Rockwell), o maestro, mora em Denver; Rosie (Drew Barrymore), a dançarina, está em Las Vegas; e finalmente Amy (Kate Beckinsale), que trabalha com propaganda, em Chicago.

No entanto, aquele grau de entusiasmo logo se transforma em frustração. Na véspera da festa, Frank recebe telefonemas dos filhos, cada um com uma desculpa diferente, informando que não poderão comparecer à casa do pai. Resta a Frank assar a carne para um churrasco solitário, escovar os dentes e dormir.

Mas se os filhos não vem até ele, porque não fazer o contrário? Cauteloso, Frank consulta um médico para ver se a sua saúde agüenta uma viagem pelo país. Ficamos sabendo que ele sofre de problemas nos pulmões, fruto do seu trabalho com material tóxico. Tal e qual Frank, o médico também é viúvo. Perdeu a esposa há 8 anos. Para compensar a perda da mulher, fala consigo mesmo. Frank se vê naquele velhinho dali a alguns anos. Ele precisa fazer algo para sacudir a poeira. É a senha que falta para o início de sua jornada pelo País. Essa viagem ao mesmo exterior e interior, fará com que Frank descubra o quão pouco conhecia sua própria família.

Estão Todos Bem tem o mérito de abordar assuntos muito próximo a vários tipos de público. Não é difícil vermos no personagem de Frank a figura do nosso próprio pai ou, quem sabe, a de nós mesmos, daqui a alguns anos. Além disso, os dramas vividos por cada um dos filhos de Frank são muito humanos. Mesmo o espectador que resolver assistir a Estão Todos Bem sem nenhuma informação a tiracolo, certamente se identificará com alguns dos conflitos desenvolvidos pelo roteiro, seja a crise no casamento ou a desilusão por não se alcançar na vida adulta as metas estabelecidas na juventude. Por outro lado, essa relação amistosa que se estabelece entre a platéia e o filme, pode disfarçar alguns dos seus problemas.

Frank é pintado como um homem à moda antiga. Ele ignora por completo as pequenas facilidades tecnológicas da vida moderna. Sua máquina fotográfica, por exemplo, não é digital. É seu neto de 8 anos que lhe mostra que sua valise possuía rodinhas. A televisão de LCD de Rosie o impressiona tanto, que merece uma foto. Frank é um ser que parece ter saído da Idade da Pedra. O tempo passou e ele não percebeu.

Sempre preocupado com o trabalho, Frank nunca se preocupou em ter maiores aspirações na vida. No seu dicionário, a palavra "pai" significava aquele indivíduo que trazia dinheiro para casa. A certa altura, por exemplo, Frank se mostra decepcionado com o fato de Robert não ter alcançado a condição de maestro de uma orquestra. Ele se ressente da falta de ambição do filho. Mais à frente, Rosie confessa ao pai que era mais fácil falar com mãe sobre determinados assuntos e que, em muitas ocasiões, ela escondeu dele algumas verdades. Frank percebe que, ao querer o melhor de seus filhos, ele passou da conta. A exigência e a pressão que exerceu sobre eles, os tornou verdadeiros estranhos, com os quais não criou qualquer intimidade. Estão Todos Bem nos provoca a seguinte reflexão: o que nos torna bons pais? Até que ponto devemos cobrar dos nossos filhos? Saberemos quando estivermos ultrapassando o limite?

Outro dos temas de Estão Todos Bem é a falta de comunicação das pessoas. E aqui o filme não é tão bem sucedido. Soa meio óbvia a irônica metáfora entre as linhas de comunicação telefônica e as conversas secretas trocadas entre os filhos, à revelia do pai. 

Estão Todos Bem é a refilmagem de Estamos Todos Bem, longa-metragem dirigido por Giuseppe Tornatore em 1990. A opção de transportar essa história para o cenário americano é no mínimo estranha. Na época, o filme italiano foi recebido com um olho torto pela crítica, que nele não conseguia ver a mesma magia que Tornatore alcançara com Cinema Paradiso, seu trabalho imediatamente anterior e pelo qual ele até hoje é lembrado. O tempo foi passando e Estamos Todos Bem foi caindo no esquecimento. Além disso, duas décadas após o lançamento do filme original, o diretor Tornatore deixou de ser um cineasta que inspira algum tipo de confiança para o cinéfilo mais exigente. A impressão que fica é que os produtores americanos resolveram filmar o filme errado e na hora errada. De qualquer forma, a essência da história permaneceu nessa refilmagem. Frank percorre o país e descobre que nenhum de seus quatro filhos atingiu os sonhos de infância ou a felicidade plena.

Na versão americana, é possível reconhecer a repetição de algumas firulas do diretor Tornatore, como o modo pelo qual o pai lembra de seus filhos quando criança. Por outro lado, Estão Todos Bem aborta o lado felliniano da obra original. Nas mãos de Tornatore, a saída dos filhos das asas dos pais, é simbolizada por um gigantesco polvo que sobrevoa uma praia e os leva para o mundo adulto e desconhecido. Mais à frente, um alce parado sem qualquer motivo no meio da estrada é o motivo para um enorme congestionamento. Outra diferença é que, enquanto o filme italiano não revelava a informação de que o protagonista era viúvo (tanto que sua sequência final é ambientada num cemitério), aqui o roteiro já deixa claro que Frank sente falta da sua esposa, e que a sua solidão (acentuada pelas cenas iniciais no supermercado), é talvez o principal fator que o leva a procurar os filhos. Essas modificações de tratamento e de tom, mostram que o roteirista e diretor, o britânico Kirk Jones, sabe que alegorias e lacunas não funcionam para um público mais literal como o americano.

Robert De Niro abandona por um momento seus tipos mafiosos e constrói um Frank Goode sem maneirismos nem exageros. De Niro optou por uma interpretação mais clean, sem os recursos de maquiagem que envelheciam de forma exagerada o ator Marcello Mastroianni, que fazia o mesmo papel na versão italiana (nunca consegui entender o motivo daquele óculos fundo de garrafa). Parece que não, mas esse tipo de papel do homem comum é muito mais difícil do que se pensa. De Niro demonstra uma real sensibilidade nos diálogos com seus filhos, especialmente quando repete a todos a mesma pergunta: "Você é feliz?".

O restante do elenco é composto por atores de peso e que aqui assumem papeis coadjuvantes. Infelizmente o tempo de exposição de cada um deles não permite que seus personagens sejam adequadamente desenvolvidos. Apesar disso, é possível acreditar naquela família e nos dramas pelos quais ela atravessa.

Apesar de seus pontos positivos, no final das contas, Estão Todos Bem é um filme que não chega a agradar inteiramente. Seu problema talvez decorra da própria falta de ambição, do jeitão de telefilme disfarçado. Numa comparação, o original italiano era melhor. No entanto, para o público brasileiro acostumado ao formato folhetinesco das nossas telenovelas, Estão Todos Bem pode até funcionar.

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