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Estrangeiro

(Estrangeiro, 2018)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Ousadia pela metade

5,0

Definitivamente, a carreira de Edson Lemos Akatoy interessa muito a partir de agora. Em seu primeiro longa e com alguns curtas anteriores que não rodaram o suficiente pra fazer seu nome reverberar a contento dentro da classe, o diretor desse Estrangeiro chama os olhares pra suas próximas escolhas, sejam elas quais forem, a partir dessa realização muito particular, cheia de descaminhos e riscos absolutos, mas consciente do lugar onde se embrenha. Hermético e irregular, o longa de estreia do jovem diretor não é facilmente assimilável pelo que se entende como o público para esse tipo de filme, mas Eduardo Nunes e Daniel Aragão já trilharam esse caminho, em maior ou menor grau de sucesso. Edson é mais um a abdicar da comunicação fácil e direta, e a essa escolha alguns preços a pagar são implicados.

Estrangeiro é um produto muito sedutor a princípio, com sua luz esmaecida no PB e seus códigos inacessíveis, porém de conexão livre. Edson deixa muitas portas abertas para o entendimento particular e essa deve ser uma das suas ousadias mais bem-vindas; o filme não se mastiga para a audiência, pelo contrário, a força a correr atrás do objeto filmado, instiga e propõe leituras amplas e infindáveis sobre os signos jogados na tela, e isso é só a área esclarecida da observação. Lidando com o resgate da memória, das conexões com o passado, com a possibilidade do sonho e da imaginação invadirem o concreto, com o fato do delírio lidar com as lacunas que nossas lembranças não acessam, o filme rascunha uma vagorosa discussão sobre a rememoração e a construção do amanhã à partir do ontem.

Entretanto, o trabalho fotográfico a três mãos (Charliane Rodrigues, Julia Sartori e Raphael Aragão) se percebe diverso em conjunto, criando não um desnível, mas uma incômoda diferença entre as partes, com uma conexão por vezes pouco natural. Os diálogos que se tentam ultranaturalistas na verdade emperram a construção da fluência narrativa, que permanece perdida entre estar de um lado ou de outro. Quanto mais a duração avança, menos orgânica se torna a relação entre os personagens, e o que deveria ser encarado de forma positiva exatamente por isso (a reunião no lugar do fantasmagórico é, de fato, emperrada) acaba evidenciando as ausências do filme, tais como suas liberdades poéticas acabam comprometidas.

Um outro dado que impediu a fruição por completo é a falta de mergulho do elenco. Não se sabe de onde nascem sinergia, sintonia e cumplicidade, mas não aconteceu dessa vez. Independente do talento dos envolvidos, aquela fagulha mágica que define o resultado das coisas muitas vezes não aconteceu aqui. Não há química no tratamento daquelas personagens, e com isso o que deveria soar natural faz o caminho inverso e se torna o oposto. Há uma desmedida intensidade em alguns momentos, e em outros um distanciamento igualmente inexplicado. E em um projeto tão arriscado quanto esse, o desequilíbrio de algum elemento pode definir o resultado do todo.

Akatoy tem personalidade, não há dúvida, e sua carreira está só começando. Será interessante perceber essa condução, se confirme-a nesse lugar do risco ou abrace então outros desafios em outros campos. Mas a coragem de embarcar em universo tão abstrato já o classifica como promissor, e também esse sentimento é traiçoeiro. Pronto a encarar desafios ainda maiores e partir para provar sua linguagem, aqui o resultado não se manteve firme nessa proposta de investigar as ancestralidades e o fantasmagórico da existência pela via da inconcretude. Mas a ousadia como marca registrada nunca será um defeito, principalmente na primeira tentativa. Seu autor talvez precise só evoluir suas marcas e criar chaves orgânicas pra deixar fluir sua capacidade de criação.

Crítica da cobertura da 3ª Mostra SESC de Cinema de Paraty

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