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Críticas

Cineplayers

Guiraudie investiga o abismo do desejo carnal e volta de lá com um dos grandes filmes do ano.

10,0

Talvez não caiba uma análise sobre o que o diretor Alain Guiraudie definiu como tema por aqui. Afinal tudo é muito claro em motivações e mensagens, apesar de importantíssimas e cada vez mais atuais. Analisar sua voz talvez não seja tão necessário quanto analisar seu corpo, enquanto artista e autor. Porque no fim das contas o que vemos sendo construído é grande cinema pra onde se olha.

No frigir dos ovos, a trama do filme cabe num resumo bem rápido. Mas como todo grande filme, o que importa é a forma de filmá-la. E Guiraudie, que sempre passeou pela importância da identidade sexual e das questões de gênero, transforma o que seria a princípio uma absurda provocação gay num libelo sobre o poder das escolhas individuais. Quanto mais o protagonista Franck se embrenha nas suas arriscadas decisões, maior fica o painel sobre a sociedade homossexual nos dias de hoje em particular, e sobre a desenfreada busca pela felicidade a qualquer preço (ai sim, sem qualquer questão de gênero) de maneira generalizada.

Trabalhando com um elenco de novatos ou desconhecidos, o diretor encontrou pérolas em matéria de atores como Patrick D'Assumpcão, e além disso ainda corre léguas a frente de seus longas anteriores com um bem azeitado flerte com um gênero cinematográfico tipicamente hollywoodiano, o thriller, mas trabalhando com o que de melhor seu talento poderia oferecer. Fotografia soberba, montagem sensacional, e a capacidade de transformar cada segundo numa montanha russa de desejo, medo e instabilidade emocional, Um Estranho no Lago é um dos mais bem sucedidos trabalhos de mise-en-scène do ano. Se imageticamente vemos situações eróticas semi-explícitas, elas servem justamente para nos colocar no lugar de Franck, distraindo nossa libido para encobrir a próxima gota, se suor ou sangue.

Mas a produção do diretor Guiraudie não é uma festa fechada ao público gay. Franck é jovem, homem e procura. Como eu, você e o resto do mundo, tem sede. Antes de encontrar, Franck se permite tentar, talvez ousar. E Franck acha, não uma possibilidade, mas duas. Dois caminhos diametralmente opostos em busca do mesmo desfecho. Pedras estão por todos os lados, mas o difícil será escolher entre a tranquilidade da paz e a excitação da guerra. Franck finalmente acha o que procurava, duas vezes... abrir mão do outro. Essa tarefa só é possível pra quem está disposto a olhar além de si mesmo e analisar um futuro que pode até não existir. Alain Guiraudie conjuga todos esses verbos (e muitos outros) num show de narrativa e construção dramática, e o faz de maneira perfeita. Tudo isso a beira de um lago, onde todos os sentimentos serão testados, onde toda entrada de cena traz um elemento novo, onde tudo pode ser a ultima vez. E será. A propósito, Franck é gay. Tem medo do inseguro e dos fantasmas ao seu redor. Não quer ficar só... quem de nós quer? Taí a universalidade do filme.

Comentários (13)

Gustavo Hackaq | domingo, 15 de Dezembro de 2013 - 20:50

Que fique claro que meu comentário não foi negativo (pelo contrário) e que isso não tem a ver com \"generosidade\".

Carlos Dantas | segunda-feira, 16 de Dezembro de 2013 - 23:12

\"Generosidade\" foi um eufemismo para \"gosto duvidoso\".

Rodrigo Torres | domingo, 22 de Dezembro de 2013 - 08:12

Gosto duvidoso? O que seria \"gosto duvidoso\"? Por que não refletir que em \"gosto\" está implícita a pessoalidade? Cada um tem o seu.

E esperem até ver lupas do Carbone para filmes como Histórias Cruzadas, Preciosa, Cavalo de Guerra, e verão que ele também tem um \"lado negro\" na análise de filmes. rs

Matheus Duarte | domingo, 22 de Dezembro de 2013 - 08:21

Infelizmente tem um povo aqui que usa espaço para discutir gosto e rotular textos e pessoas, mas discutir cinema que é bom, nada. Outro dia me perguntaram o motivo de eu dar 10.0 pra \"Big Fish\" e 6.0 para \"Taxi Driver\" e disseram que não \"adepto\" de debater cinema por isso... Isso é extremamente cansativo.

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