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Exorcista III, O

(Exorcist III, The, 1990)
5,1
Média
77 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Deus é uma vedete cósmica ou o profano é escroto?

8,0

A derradeira parte da saga “O Exorcista” viria com outro tom se comparamos com os dois antecedentes. O que é salutar, obviamente. Feito com livro próprio – “Legião” – e adaptado para ser uma continuação da saga. Algum tipo de gambiarra? Feita pelo próprio autor dos livros William Peter Blatty, que aqui assume a cadeira de direção da fita. Se havia um certo tom detetivesco no segundo material, este abraça o tom frontalmente, com perscrutação policial strictu sensu como fio condutor da narrativa. Cria um clima calcado em realidade visual próxima do tangível, ao contrário do tom opressivo e demoníaco do primogênito e da porralouquice lisérgica do subsequente. Uma espécie de terror investigativo sóbrio com um braço coerente no sobrenatural.

Parte da noção de contraste, já habitual à série, com um policial descrente em debate com seu amigo padre. Deus tem ideias fuleiras e agiria como uma vedete cósmica. Este abuso do primeiro para com o divino teria confluência na morte do padre Karras (o padre último do filme original), de quem era amigo. Discussões sobre noções de vida e morte entre ambos denotam o tom de estranheza da obra, unindo o humor ao lúgubre. Com uma morbidez à espreita. Sem pressa, vai-se construindo uma narrativa de serial killer que se busque corroborar o que o sobrenatural tem com isso. Como espectadores sabemos da existência do diabólico obviamente, e os demônios sempre estão à nossa espreita, porém intriga acompanharmos o tenente William Kinderman (o grande George C. Scott) e seu processo de descrença, retrocedendo na marra pelos fatos apresentados e pelas dúvidas ensejadas se está alucinando ou não, e se está ou não sendo influenciado pelos pacientes manicomiais que lida. Onde boa parte da trama se desenrola. Aqui numa escolha visual acertada, que mantém o caráter incisivo e centralizado proposto no seu nascedouro. Além de ter a opressão do ambiente a seu favor, algo que se perdera na obra do meio.

A dicotomia entre bem e mal é toda definida na trilogia ao redor da entidade principal. Pazuzu tem uma história antiga vinculada ao maniqueísmo dentro de si. Quando mito divino mesopotâmico, representava tanto o bem quanto mal, e os filmes sempre retrataram isso de formas diferentes, já arraigadas sim pelo ocidentalismo cristão. A obscurescência da violência do primeiro em sua diferenciação clara; a confusão do segundo e um aumento da mitologia e certo debate entre ciência e reza; e neste terceiro a razão do ceticismo contra o misticismo, além dos usufrutos imagéticos de todos eles. Este último em questão, no uso de imagens sacras ao denotar emoções e tensões. Elas inteiras – devoção – e quebradas – prefácios da morte. Isto num limiar de ataque num hospital, com direito a um contra plongée sensacional do tenente e de uma alma dominada pelo tinhoso a perambular ferozmente no teto. A razão procurando a loucura e achando o maligno.

Deus é responsável por toda a esculhambação? Que Deus seria este? E o diabo? Qual a dele? Aqui não temos o tom universal do II, mas sim um intimismo palatável que se configura em conflitos internos de ação e credo. Kinderman nega-se a crer no domínio etéreo do extranatural, todavia procura por Karras no corpo de um psicopata endemoniado pelo Pazuzu. Querendo encontrar o velho amigo com um fiapo de convicção a se agarrar. Isso que o camarada mofento curte, avacalhar aqueles que possuem suas crenças, estas mesmas que o alimentam. Coisa que o maluco James Venamun (Brad Dourif, insano) com, literalmente, o cão nos couros percebe e provoca, sob o controle de quem sabemos. Pazuzu tinha ainda mais motivos para adentrar neste corpo. Algo que se diferencia da primeira fita, que atacara uma criança, símbolo de pureza. Sai assim o profano infantil e entra o cinismo da psicopatia desenfreada. Há continuamente o avacalho de segredos e sentimentos dos personagens levando-os até seus limites. Tal qual se faria, por exemplo, com Karras e Sharon Spencer nos dois anteriores, apertando-os até o talo, então se conseguindo o intento de seus cadáveres. Assim o tenente Kinderman é testado. Com a existência do mesmo padre Karras (Jason Miller) ainda dentro de corpos, mesmo depois de sua morte física. Isto numa espécie de junção marota para encaixar na fita I. Acaba-se por priorizar uma relação estreita, se vinha propondo com muita calma, entre o tenente e o maluco do cão. A razão descrente contra o cara do coisa-ruim querendo credo, querendo o avacalho. Querendo morte. Tudo se consome ao encontro final, em um plano de conjunto interessante que os coloca em pé de igualdade visual, sentados um a olhar o outro. Com o avançar do debate e dos conflitos mentais e físicos, os planos mudam, oprimem e comprimem aqueles que de expiação necessitam, e as definições de bem e mal se misturam nos seus visuais, até a dolorosa decisão final do Kinderman.

A soltura dos espíritos e demônios do mundo que achamos ser real, mas que na superfície, todos estes monstros não passam de exageros nossos. São as nossas crenças que fomentam a existências destas criaturas, sejam estas convicções por fé ou por uma busca por um criacionismo por necessidade de convivência e conveniência humana. Instinto, tesão, apropriação indébita, putaria, amor, ódio, estraçalho. Num clima de morbidez à espreita. Nossos sentimentos são microcosmados nesse diabo, nesse porco-sujo dos infernos. Ele carrega a essência humana e nos mostra as piores possibilidades possíveis, tanto que o corpo em questão é de um assassino, que está ali preso e gostando do controle e do poder que o mal exerce nele. Somos todos possíveis escrotos à procura de um Pazuzu que nos aprisione ou liberte. Neste caso, estamos lascados.

Texto integrante do Especial Monstros no Halloween

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