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Críticas

Cineplayers

Era Uma Vez em Tóquio para o século XXI.

6,5

Yôji Yamada é, além de um dos cineastas mais ativos do cinema nipônico moderno, um profissional perdido no tempo. Herdeiro do requinte e simplicidade do cinema japonês clássico, ao longo de sua carreira sempre manteve uma fidelidade inabalável aos temas e formas que definiram os anos dourados dessa arte em sua terra natal, preservando em especial os dramas que envolvem núcleos familiares e os tradicionais filmes de samurai. Não é de admirar que venha dele a ousada iniciativa de refilmar Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953), de Yasujiro Ozu, filme que hoje é comumente intitulado como o maior do cinema japonês, e um dos maiores de toda a história. Embora seja um trabalho de aparente simplicidade, Era uma vez em Tóquio é um daqueles casos raros de magnitude inalcançável e estilo inimitável, e felizmente Yamada tem noção disso e faz de seu Uma Família em Tóquio (Tokyo kazoku, 2013) um simples exercício de atualização, releitura e homenagem.

O contexto moderno obriga Yamada a mexer em alguns pontos do filme original, mas no geral a estrutura é exatamente a mesma (com o acréscimo das cores), sendo o núcleo de Noriko (que no filme de Ozu é a nora de um dos filhos falecidos do casal) o mais alterado, já que agora a personagem está noiva de um filho ainda vivo. Fora isso, é a mesma trama do casal interiorano de idosos que vai à Tóquio visitar os filhos e acaba por sofrer com a indiferença e falta de tempo destes.

Se por um lado Yamada resgata sem receio temas como os valores morais que vão se perdendo ou se modificando conforme as gerações se passam, por outro ele tem a perspicácia de não tentar emular a técnica de Ozu. Ou seja, nada de longos momentos de tempos mortos e ângulos baixos, ao nível do chão. Aqui tudo é muito mais simples, a ponto de parecer desprovido de qualquer técnica digna de atenção. Também não há sabedoria observadora que Ozu sobre o comportamento e a vida social do povo japonês (desta vez não porque Yamada evitou, mas sim porque não conseguiu imprimir mesmo) e a influência da história deles, embora haja uma preocupação em incluir na pauta alguns assuntos atuais relevantes, como o desemprego e o desastre na usina de Fukushima.

De certa forma, é louvável que o diretor tenha tido toda a cautela em mostrar que seu trabalho não se trata de uma obra com a ambição de estar à altura do filme de Ozu, mas por outro lado esse excesso de comedimento e humildade relegou o trabalho à condição de desnecessário. De tão simples se tornou sem graça, sendo que tinha seu favor várias chances de ampliar algumas discussões iniciadas por Ozu no século passado, como o poder da tecnologia e a correria da vida moderna de, sutilmente, corromper os valores e as prioridades morais do indivíduo, que pode chegar ao ponto de deixar a família em segundo plano e renegar os próprios pais. Hoje em dia esse problema está em escala muito maior e mais alarmante do que em 1953, mas Yamada parece não ter coragem de se aprofundar tanto nisso a ponto de fugir demais da base do filme original.

Ainda assim, há momentos de grande força dramática que podem com certeza emocionar, em especial quando se foca nesse tema da velhice e da melancolia que acomete as pessoas conforme vão perdendo suas forças vitais e sua independência, ou quando mostra o outro lado da história, com os filhos sofrendo ao ver seus pais – antes a rocha e fortaleza da família – perderem a autonomia e sucumbirem ao conformismo. Fora esses momentos, fica difícil analisar Uma Família em Tóquio como um filme independente, pois a todo o momento o diretor amarra sua obra ao filme original de Ozu e faz dele sua fonte de força, a ponto de por vezes usá-lo como muleta, tornando impossível encontrar ali qualquer mérito próprio que mereça atenção. Segue assim como um filme bonito, cheio de boas intenções, mas talvez comum demais e que a todo momento nos lembre que estamos diante de uma versão aguada e bem amena de uma das maiores obras-primas já concebidas pelo cinema.

Comentários (2)

Lucas Nunes | sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2014 - 22:07

Remake maravilhoso! A direção de Yamada é perfeita ao retratar os personagens e a Tóquio do século XXI. Ozu estaria orgulhoso.

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