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Críticas

Cineplayers

Bolo de noiva inglês.

4,0
Sete personagens em cena, à espera de uma recepção/comemoração em uma casa. O teatro alimenta o cinema desde o início do mesmo, mas é sempre curioso quando acontece o oposto. A cineasta Sally Potter tem leque aberto de opções no que diz respeito à arte, já fez de tudo um pouco, e talvez por isso não veja fronteiras entre os caminhos. Mike Nichols nos mostrou mais de uma vez como essas fronteiras são superestimadas e Polanski já conseguiu experimentos bem sucedidos na mesma seara. Mas não é fácil parecer esteticamente natural na tela grande em estrutura restritiva; o cinema é amplo, elimina as próprias barreiras, e cabe ao cineasta expandir essas quatro paredes. 

Em A Festa, um dos recursos utilizados para quebrar o naturalismo intrínseco ao palco é o PB das imagens, que cada vez menos encontra eco entre intenção e realização. Aqui aparenta artificializar um jogo cujas regras incluíam uma espécie de verdade pura que a própria origem do cinema trata de demolir. A arma apontada para o público que abre o filme também acaba sendo descontextualizada em outro momento, e mais uma vez o recurso da desconstrução de base é desfeito para o aproveitamento de um plot twist, que - vá lá - tem uma certa picardia. Mas as intenções da diretora se embaralham quando as linhas que movem o elenco não parecem bem definidas, misturando explosão e minimalismo que, se em nada diminuem o próprio elenco, põem em cheque as opções do projeto.

Como todo filme calcado nessa economia, a trama também vai por esse viés. Kristin Scott Thomas acaba de ser nomeada Ministra da Saúde e realiza uma pequena reunião com amigos próximos, e é durante esse evento que seu casamento com Timothy Spall irá mostrar suas rachaduras, explicitado por convivas igualmente rachados. A inclusão da arma no contexto demora a fazer algum sentido, e a forma como ela é guardada pelo personagem que a introduz em cena é um convite à esquizofrenia, tanto de quem o traz quanto do roteiro, e esse é só um dos sintomas dos problemas da escrita aqui. Aos poucos, a simplicidade proposta vai sendo acrescida de camadas que não levam a lugar algum na narrativa, que só servem para construir as personalidades em unitário mas nada ao projeto como um todo.

O espaço cênico apresentado é rico em detalhamento mas pouco aproveitado pelo trabalho da direção, que pouco faz além de seguir os atores; a satisfação com o filtro sem cor parece ter impedido resoluções mais efetivas para tridimensionalizar a narrativa, que raras vezes não parece encenada - e isso até poderia ser observado como uma qualidade, tendo em vista o excesso de realidade proposto pelo cinena hoje. Cai por terra também esse pensamento quando o filme não parece acreditar em suas escolhas como já citado acima, perdido entre a aposta no comedimento e uma histeria sempre tímida, britânica talvez; ironia das ironias. O filme clama por um desespero que não vem.

Os peões do tabuleiro são de primeira grandeza e todos têm um momento, ou vários. Difícil apontar um melhor trabalho, já que quase todos são traídos pelo longa em algum momento, mas talvez Patricia Clarkson tenha total consciência dos lugares onde deveria estar para o engrandecimento do todo. A personagem de Emily Mortimer é a mais sacrificada, com resoluções tão inesperadas quanto absurdas. Cherry Jones deveria ser mais aproveitada, Cillian Murphy utiliza a persona que o próprio cinema construiu dele e Bruno Ganz se apresenta para provar a fala de Patricia, sem a virada que se esperaria de uma personagem assim. A verdade é que esse elenco é maior que o texto (de Potter com colaboração de Walter Donohue), e quando eventualmente caem nas armadilhas que o roteiro preparou, a culpa nunca é deles.

Projeto que surgiu no Festival de Berlim do ano passado com um certo alarde, o filme finalmente chega ao circuito ancorado em temas atuais apresentados com um mofo incômodo. São esses temas que fazem a festa da crítica hoje, muito mais interessada em discurso ideológico do que em proposta cinematográfica, essa sim sendo esquecida em processo assustador. Análises pobres são um prato cheio para um longa tão interessado nos chamados 'click baits' do nosso tempo, mas que sempre podem ser feitos com um cuidado que escapa aqui.

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