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Críticas

Cineplayers

Mais uma vez, Shyamalan apresenta um filme com uma ótima idéia, mas cheio de problemas.

5,5

A pergunta que me veio ao surgir dos créditos de Fim dos Tempos foi: como pode alguém tão talentoso, tão criativo e original cometer erros tão bobos e transformar um filme que teria tudo para estar na lista dos melhores do ano em algo que pode ser classificado como uma boa idéia mal executada?

A quantidade de problemas de Fim dos Tempos talvez dê para preencher um caderno. A principal delas é, sem dúvida, a forma como o filme se relaciona com o público. A opção por apresentar um exagero de explicações, que se repetem sem trégua ao decorrer do filme, é uma clara insinuação que o diretor considera seus espectadores meio retardados. Parece que alguém chegou para Shyamalan e disse: “Acho que o público não compreendeu bem todo o simbolismo que você colocou em filmes como Corpo Fechado e A Vila. Que tal agora fazer algo bem explicado que as massas entendam o recado?”. Claro, isso pode ter sido um raciocínio dele próprio, mas o que importa é: foi feito um filme que não deixa espaço para o espectador construir seu significado, para elaborar o simbolismo presente. O que antes Shyamalan tinha a habilidade de deixar sugerido, agora está dito. Com isso, acontece um claro empobrecimento da obra, que fica reduzida a uma enorme lição de moral de 90 minutos. Sim, isso é outra característica irritante da produção: há o evidente objetivo de alertar o ser humano para os perigos que sua atuação causa ao meio ambiente. No fundo, é uma espécie de Uma Verdade Inconveniente com história – mas a intenção é a mesma. O que, no entanto, é aceito sem problemas no documentário de Al Gore, torna-se algo repulsivo na ficção de Shyamalan. Não quer dizer que o recado não pudesse estar no filme. O problema enorme foi a falta de sutileza, a incapacidade de deixá-lo sugerido em vez de escancarado.

Em relação à parte mais técnica do filme, Fim dos Tempos é pobre em relação aos personagens. O roteiro parece ter sido escrito às pressas, pois simplesmente deixa de lado a preocupação em criar seres humanos reais para viver a situação extraordinária que lhes é imposta. Se isso foi um dos grandes méritos de Shyamalan em seus filmes anteriores – especialmente em Sinais, que pode ser considerado o mais próximo de Fim dos Tempos –, dessa vez, o realizador se esqueceu dos seus acertos e pecou no desleixo para com seus elementos humanos na narrativa. O par central, por exemplo, vive um conflito confuso e mal elaborado, em que as emoções e as motivações do casal jamais são verdadeiras o suficiente para causar algum sentimento de empatia no público. Além disso, há a presença totalmente desnecessária de uma criança – deveria ganhar o prêmio de “criança mais inútil da história do cinema” – que nada mais é que um acessório carregado pelo par central de um lado para o outro. De atuação inexpressiva, ela não adiciona humanidade nem torna a coisa mais dramática, como deve ter sido o objetivo – ou talvez nem tenha havido objetivo, alguém pode simplesmente ter pensado “vamos colocar uma criança para aumentar a carga dramática”; nesse caso, faltou colocar também um cachorro.

Essa falta de exatidão do roteiro na criação dos personagens principais é realçada pelo desempenho infeliz dos atores. Mark Whalberg, muito bem em filmes como Boogie Nights e Os Infiltrados, está reduzido a uma atuação de duas expressões; não consegue se comunicar com o público a ponto que haja uma verdadeira angústia pelo risco que corre seu personagem. Já Zooey Deschanel, portadora de um fantástico par de olhos azuis, parece não ter entendido bem seu papel e cria uma Alma confusa (no mau sentido) e pouco humana. Para completar o trio central, a já citada criança parece um abajur sendo carregado pelos protagonistas. Não resta dúvida de que a culpa por tudo isso é de Shyamalan, que já mostrou talento ao dirigir com precisão Bruce Willis e Mel Gibson, por exemplo, e extrair deles atuações verdadeiras – e agora fracassou por completo na condução do trio sem sal que encabeça o filme.

Ainda sobre o roteiro, é incrível como possa haver tantas escorregadas, detalhes que saltam aos olhos e, às vezes, agridem com força a própria verossimilhança interna do filme. Alguns exemplos: a cena do vídeo enviada pelo celular e a conversa diante do restaurante, quando o homem que daria carona espera pacientemente as despedidas melodramáticas em vez de fugir desesperado como todos os outros. Para completar, outro ponto que oscila é o humor. Presente em boa parte da filmografia de Shyamalan, até isso é mais fraco aqui. Pelo menos metade das piadas não funciona, o que pode ser mais um indicativo da coisa toda ter sido tocada com pressa. Faltou elaboração nesse importante elemento do roteiro.

Passados todos os problemas, o que sobra de bom em Fim dos Tempos? Por incrível que possa parecer, muita coisa. Em primeiro lugar, a premissa inicial do filme é ótima; consegue agarrar o espectador e manter sua atenção e curiosidade aguçada. Sim, a história: misteriosamente, pessoas são contaminadas por alguma toxina ou algo assim que as deixa compelidas a cometerem suicídio. Isso começa nos parques das grandes cidades da costa leste norte-americana e vai-se espalhando aos poucos – espalhando junto, obviamente, o medo e o terror. Para humanizar o desespero, são escolhidos como protagonistas um casal em crise no relacionamento e uma criança (sobrinha dele). Os três têm como missão fugir da ameaça que provoca os suicídios ao mesmo tempo em que buscam o sentido da coisa toda.

A forma como é apresentada a situação (responsável pelo título em inglês do filme, algo como “o acontecimento”) é genial. As diversas cenas e suicídio coletivo (em especial a na rua, que começa com um policial e outros vão pegando a arma caída) mostram uma força criativa rara no cinema atual. Além disso, no decorrer do filme, há inúmeros momentos em que se percebe o trabalho do diretor, que tem o mérito de buscar ótimas soluções visuais, combinando talento e criatividade.  

Outro poder de Shyamalan é saber trabalhar a tensão. Há um bom equilíbrio na trama em relação aos momentos de medo, de tensão e de puro suspense – ainda que alguns sejam enfraquecidos pela opção equivocada de apelar para um susto fácil (mais um elemento que indica que o filme foi feito às pressas e não foi pensado o suficiente). Jogando junto com isso está a ótima trilha sonora, que, desde os créditos iniciais, mostra força.

Por fim, parece indiscutível que Shyamalan é um roteirista e diretor com alto potencial. No entanto, quando apresenta uma película como este Fim dos Tempos (sucessor do também problemático A Dama na Água), deixa a impressão de que ou está perdendo os critérios, ou está trabalhando pouco nos filmes. Em todos os casos, resta a palavra decepção.

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