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Críticas

Cineplayers

Por trás dos milhões que o gênero faz...

3,5
O prólogo de A Freira mostra duas delas andando pelos corredores de uma abadia na Romênia. Nesses 10 minutos iniciais, vemos a presença de corvos ameaçadores, uma chave enigmática de tamanho absurdo e uma bruma produzida com o melhor e mais óbvio gelo seco que Hollywood pode comprar. É tudo tão ostensivo e exagerado que ao menos nessa abertura a impressão de se tratar de uma paródia é grande. Mas como lidar com essa possibilidade se o longa de Corin Hardy é um desdobramento da saga Invocação do Mal? O projeto de James Wan, que já rendeu quatro longas anteriores, nunca esbarrou nesse lugar, mas o novo diretor parece trilhar um lugar ao mesmo tempo próximo e particular aos anteriores.

Ao pesquisar a carreira do novato diretor (que só tem um longa anterior, A Maldição da Floresta), vem a possível resposta. Corin Hardy é originário do universo dos videoclipes, com carreira longa e premiada no gênero. Daí talvez venha essa plasticidade explícita e que talvez encontre eco em produções típicas de 'giallos' italianos, que geralmente flertavam com essa verve. Preso a esse universo, o requinte excêntrico que por vezes esbarra na produção soa exagerado, principalmente porque o longa não tem a mesma preocupação com a narrativa que faz parte dos projetos de James Wan como um todo. Fotografia rebuscada e a direção de arte fake não conseguem esconder a simplicidade do roteiro, que usa dos lugares comuns sem conseguir envolver ou mesmo criar tensão.

Na trama, essa abadia romena é palco do suicídio de uma das freiras mostradas no início. Como o ato é repudiado pela igreja, a mesma envia o padre Burke para investigar os eventos que levaram até esse extremo da religiosa. Em sua companhia, a jovem noviça Irene (cuja função na missão nunca é explicada, tendo em vista que nem ordenada ainda tinha sido). Ao lado deles, um jovem agricultor local irá acompanhá-los até tão afastada abadia. Obviamente, tudo que se espera acontecerá com o trio. Talvez o maior acerto do longa seja seu elenco tão reduzido conseguir prender a atenção e não se fazer necessário de mais para além de coadjuvantes raros e pontuais. Demian Bichir e Taissa Farmiga dão conta do recado, são talentosos para tal, mas não necessariamente a eles são exigidos grandes desafios. A situação de Jason Bloquet é mais complicada, porque o personagem Frenchie é um poço de problemas morais tratados como piada, e pode incomodar grupos femininos com certa razão.

O filme, além de tudo, peca no que deveria ser essencial em um filme de gênero. A extrema artificialidade estética do longa não justifica sua completa ausência de emoções fortes, ainda que baratas. Na enxurrada de sucesso crítico e de público que o terror/suspense/fantástico tem conseguido e do qual a celebração é válida, o que A Freira traz do básico do gênero são 'jump scares' surrados, que raramente movimentam o público. Talvez o excesso de firula visual não tenha acompanhado o que deveria ser imprescindível a qualquer filme de terror: se o resultado de uma produção que deveria incomodar e assustar é uma perfumaria rasa e deslocada, de que adianta uma parte técnica caprichada? Em tempos onde filmes sem qualquer efeito especial conseguem perturbar e também criar uma assinatura visual, a proposta de Hardy mais parece um portfólio imagético que uma peça de cinema 

Para além de sua trama rasa o filme avança pouco, como já apontado. É como se a única missão de A Freira fosse ganhar dinheiro e capitalizar em cima de uma série que já se percebeu rentável demais. A personagem título aqui surgiu exatamente no segundo longa sobre os desafios da família Warren em domar objetos amaldiçoados e encontrar a verdade por trás de fenômenos sobrenaturais. É como se nenhum dos longas, fora os dirigidos por Wan, fizesse jus ao que ele criou (nem esse nem os dois Annabelle), e apenas servissem como fonte de renda para os estúdios e seus produtores, incluindo o próprio Wan. Sem muito a acrescentar ao que se esperava do projeto, e sem angariar tensão ou frisson por trás de suas imagens, fica a beleza estética de um projeto que, em nome das exigências e da coerência do gênero, não consegue ir além da promessa e da moldura.

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