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Críticas

Cineplayers

Pulsões Inquietas.

7,0

É característica da filmografia da cineasta Anne Fontainea explanação de relacionamentos amorosos. Ela consegue atribuir um equilíbrio narrativo em suas obras, pendendo quase que sempre ao elementar dramalhão particularmente francês. Há outra coisa a se ressaltar, a atenção dada as suas personagens femininas. Destacaria, ainda que não sejam filmes extraordinários, A Garota de Mônaco (La Fille de Monaco, 2008) e Coco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel, 2009).  Há outros. Em Gemma Bovery - A Vida Imita a Arte, como denuncia desnecessariamente seu subtítulo, Fontaine dedica-se a referenciar o clássico de Gustave Flaubert, Madame Bovary, adaptando a graphic novel de Posy Simmonds. O resultado disso? A busca de uma mulher por alguma satisfação além do tédio.

Gemma Bovery é uma versão de Emma Bovary, vivida por Gemma Arterton. A atriz representa o tédio sobre campos esverdeados na Normandia, cuida da casa, tem um marido apaixonado e a libido que lhe inflama desejos. Gemma é inglesa e desconhece o clássico de Flaubert. Este lhe é apresentado por seu vizinho, o padeiro Martin Joubert, fascinado pela coincidência e sedento pela previsão da obra que tanto é apaixonado. Seu interesse pela mulher acentua-se quando observa sua rotina e faz íntimas descobertas, experimentando o interesse pela novidade num local onde elas inexistem. São ações que lhe inquietam ou lhe trazem novamente a vida como uma pulsão de resgate.

Iludido pela encenação da história que preza em sua frente, com padrões similares observáveis pela janela, ele se apaixona, mas não sabemos exatamente pelo quê. Seria pela obra que parece viva em sua frente? Pelo desejo oprimido que compartilha? Pela coincidência que lhe rouba a rotina de anos, ou, como o próprio diz, a rotina de uma tranquilidade sexual? Ou pela exuberância de uma jovem aparentemente inalcançável? São aspectos do roteiro que funcionam como parte de um mistério, desenrolando-se de modo a se adequar a história de Madame Bovary, provocando a incerteza de seu fim. Os fãs do livro deverão gostar dessas relações.

Com cunho romântico, Gemma Bovery - A Vida Imita a Arte busca no romance de Gustave Flaubert sua esfera de sentido, abrindo outros horizontes. A preocupação daquele que observa é que o fim de sua musa assemelhe-se a da ficção literária. Então Anne Fontaine, a partir de seu personagem Martin, traz intervenções que implicam no equilíbrio de suas representações ao longo dos 100 minutos de projeção a partir de repetições, similaridades, conversas triviais e observações. A narrativa então revela-se em descobertas: há estímulos para considerarmos o que está acontecendo e logo após as verdades surgem em cena como revelações de um próximo capítulo que prepara novas dúvidas. Desta forma desenrola-se até o fim.

O ótimo Fabrice Luchini vive Martin Joubert e dá a ele toda uma angústia entusiasmada e tensa. Já Gemma Arterton emprega toda uma passividade transformadora a sua protagonista, com sua natural beleza misturada a um erotismo despertando a atenção na calmaria local. Anne Fontaine carrega um ideal pró feminista em suas obras. Dirigiu algumas importantes atrizes como Louise Bourgoin, Naomi Watts, Fanny Ardant, Emmanuelle Béart e Audrey Tautou, e deu a elas personagens fortes cuja autonomia de decisões e ações independem de qualquer consideração. Faz isso sem levantar bandeiras. Arterton entra nessa lista com o peso de uma personagem referência da literatura mundial.

Na terra dos calvados, a bebida vigorosa infere nas sensações nesse filme de explorações de sentidos. A visão nas observações idealizatórias; a audição dentro da neutralidade dos sons naturais diferenciados de grandes centros; o paladar em meio ao saboreio da bebida; o olfato com o cheiro dos pães frescos; e a ambição pelo tato, pelo toque carnal desejoso. Este é um filme de simplicidades e relevâncias, de personagens bem desenvolvidos e de atenção à vivência de alguém que desconfiava do "para sempre".

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