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Críticas

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‘O general que se tornou escravo. O escravo que se tornou gladiador. O gladiador que desafiou um império.‘

8,0

‘O general que se tornou escravo. O escravo que se tornou gladiador. O gladiador que desafiou um império. ‘

Foi com esse maravilhoso slogan que Gladiador foi super marketeado em sua época de lançamento, firmando o retorno dos grandes épicos à tela do cinema, iniciado por Coração Valente poucos anos antes. Só que enquanto a obra prima de Mel Gibson toma um rumo bem mais realístico por fatos históricos, Ridley Scott belisca certos personagens, localidades e situações para criar uma história completamente nova ambientada durante um período crítico do Império Romano.

Russell Crowe (Los Angeles: Cidade Proibida) encarna Maximus, um importante general romano que tem total confiança de Marcus Aurelius (Richard Harris, da franquia Harry Potter e Os Imperdoáveis, falecido ano passado), que está em seus últimos dias de reinado. O imperador atiça a fúria de seu filho Commodus (Joaquim Phoenix, de Sinais) ao comunicá-lo o interesse de transferir seu reinado para Maximus, que nem da família pertence, por considerá-lo com mais força do ele, seu filho de sangue real. Commodus então inicia uma profunda revolta movida por vingança. Assassina seu pai e, ao pedir a lealdade de Maximus e a tê-la negada, expande sua área de atividade para o general e sua família. Maximus é condenado à morte, mas de uma maneira que não pretendo falar, escapa e começa uma longa jornada para – também - se vingar do que lhe aconteceu. É então que o personagem de Crowe esbarra com os brutais jogos de Gladiadores, tão amados pelo povo da época, e começa a ressurgir para o povo como o tão adorado ‘Espanhol’ em busca de seu objetivo.

Uma das maiores críticas ao filme de Scott foi de que ele assassinava a história. Se fosse um filme com a real intenção de contar um fato histórico, poder-se-ia dizer que é verdade, só que o próprio Ridley Scott contraria essa intenção ao dizer, em certo momento dos extras, que ele não quis fazer um documtentário. Se fosse um filme baseado em fatos reais, não teria sido indicado ao Oscar de roteiro original, acredito. A história criada por David Franzoni, roteirizada por ele próprio com a ajuda de John Logan (O Último Samurai) e William Nicholson consegue criar excelentes momentos, deixa claro os conflitos dos personagens, mesmo que tudo pareça estereotipado demais.  E o fato de utilizar personagens históricos conhecidos, causou toda essa confusão na cabeça de alguns.

A primeira batalha, os romanos contra os bárbaros, é fantasticamente bem ambientada. Ela tem um defeito grave de edição, que está direcionado a uma regra básica de montagem: o eixo de 180º. Por exemplo: à esquerda da tela, está o exército de Crowe e, à direita, o dos bárbaros. Depois da chuva de flechas por parte do exército de Crowe, são lançadas várias flechas gigantes de balistas pelo mesmo exército. Só que a montagem, a fim de deixar essa cena mais emocionante, vai executando mais cortes entre planos. Só que esses planos acabam por interferir uma lógica da imagem: se o exército de Crowe estava na esquerda, devemos ver todas as flechas voando da esquerda para a direita, respeitando assim o eixo que o primeiro plano havia estabelecido. Com essa montagem desorganizada que cito, vemos o exército de Crowe soltando flechas gigantes por todos os lados, desordenando tudo e nos deixando confuso se é ou não o exército de bárbaros fazendo um contra ataque. Expliquei essa regra para dizer que as cenas de batalha funcionam, mas não são perfeitas, principalmente em sua montagem.

Mas ao mesmo tempo que possuem esses defeitos, as cenas de combate têm força o suficiente para marcarem quem quer que esteja assistindo. A minha preferida é a luta de Crowe contra o grande campeão do Coliseu, ambos cercados por tigres famintos. Falando em Coliseu, o gigante foi recriado por computador a partir de um cenário real que a equipe de Scott construiu no Marrocos. O primeiro pavimento inteiro do Coliseu foi recriado e os outros andares (se não me falha a memória, cinco outros) foram recriados em computador. O poder do lugar pode ser sentido logo na primeira tomada geral que Scott faz, quando dá uma visão aérea de Roma e vemos o gigante em meio à tantas casas.

Tirando a construção do Coliseu, é bem perceptível quando estamos tendo computação gráfica no cenário. Isso porque muita coisa é real, mas muita também foi inserida na pós produção, e a maior prejudicada nisso tudo foi a fotografia, que em alguns momentos tem um sol forte e brilhante, e em outros, quando há efeitos sendo usados, temos tudo mais ‘morto’ e artificial. Repito que isso exclui o Coliseu, pois 80% dele é feito por computador, como dissemos anteriormente, é simplesmente fantástica a sua reprodução – inclusive com um giro lento de câmera de 360 graus do ponto de vista dos gladiadores para que toda a grandeza da situação seja sentida.

Apesar de todo esse ar grosseiro ao redor do nome Gladiador, o filme ainda encontra o seu espaço para a poesia. Logo depois do logo modificado dos estúdios (trocar a cor do logo de um não é para qualquer filme não), aparece o nome do filme e, ao contrário do esperado, ao invés de alguma cena bruta do tipo para nos ambientar sobre a estupidez de um jogo onde uma pessoa morre e várias aplaudem se tiver ‘bem morrido’, temos uma imagem poética e sensível: Maximus andando por um campo e acariciando sua mão nas plantas. Claro que o roteiro acaba por seguir uma lineriedade totalmente previsível, porém o modo como tudo é exposto, somado a alguns diálogos bem especiais e boas situações para a ação garantem a diversão por mais de duas horas e meia.

As músicas para um épico são importantes, isso é indiscutível, e nesse ponto Gladiador está muito bem servido. Ninguém menos que Hanz Zimmer, o grande nome de trilhas sonoras de sucesso do momento, rede toda a orquestra por trás de todo o filme com uma trilha que conseguiu captar bem o espírito que Ridley Scott pretendia alcançar. Foram criadas várias e várias músicas, um tema principal para cada situação, mas o que pode ser considerado o tema mesmo do filme, o oficial, tem um tom especial em sua criação. Hanz fez um trabalho magnífico e, com o mesmo tempo, pode-se sonorizar tanto uma cena sensível (Maximus lembrando de sua família) como uma cena tensa (uma batalha na arena), apenas trocando-se os tons das notas a serem tocadas, mais altas para sensibilidade e mais baixas para tensão.

Mas ao mesmo tempo que Hanz consegue criar com maestria esses temas, peca por não conseguir criar algo que martele a cabeça das pessoas após a exibição do filme (algo que, por exemplo, John Williams fazia com maestria em seu auge). Aliás, isso é um dos maiores defeitos em seu trabalho. Não que ele seja ruim, repito, seus trabalhos dentro do filme são maravilhosos, talvez o melhor da atualidade. Mas seus temas nunca sobrepõem aos trabalhos. O que vem a sua cabeça quando se pensa em Tubarão? Ou então outro clássico de Spielberg E.T. – O  Extra-Terrestre? Guerra nas Estrelas? Talvez esse seja um dos principais motivos que não levaram a academia a premiar sua trilha, entregando o Oscar para a trilha do estrangeiro O Tigre e o Dragão – algo raro no Oscar.

Voltando ao início de nossa crítica para fechá-la em um perfeito ciclo, quero falar sobre os atores. Russell Crowe foi premiado por sua interpretação de Maximus, mesmo que não tenha feito muito esforço para receber o prêmio. Digo isso porque o papel mesmo não exigia muito dele, não em termos de interpretação. Pedia algo básico para o papel, algo que Crowe tem de sobra: uma presença forte de tela, para que o respeito pudesse ser captado melhor do que qualquer diálogo poderia descrever (conhecem a expressão?). Por ter levado a estatueta aqui, talvez a Academia tenha deixado de premiar Crowe no ano seguinte, quando ele realmente merecia, por sua atuação no ótimo Uma Mente Brilhante. O engraçado é que Crowe não foi a primeira opção para o papel. Antes dele, Mel Gibson havia sido chamado para interpretar Maximus, recusando porque recentemente havia acabado de protagonizar seu épico Coração Valente, e como os protagonistas são parecidos (mesmo com a já discutida diferença entre os filmes), recusou uma boa chance de levar uma estatueta para casa.

Sobre o resto do elenco, Joaquim Phoenix tem uma atuação que pode ser muito bem dividida em duas partes. A primeira é seu mérito, quando conseguimos captar com maestria todo o ciúmes que Commodus sentia de Maximus por seu pai. A cena em que ele assassina o próprio pai, por exemplo, é extremamente tocante e funciona perfeitamente dentro do sofrimento que Commodus apresentava. Já no sentido de presença de tela, Phoenix não consegue ter o mesmo aproveitamento de Crowe, talvez por culpa de uma direção indecisa de Scott mesmo. Se Commodus estava tão doente de ciúmes, fazia-se necessário que a segunda parte de sua interpretação, correspondendo as maldades feitas por seu personagem, deveria ser algo bem mais forte do que foi mostrado. Uma cena que está nos extras do DVD, por exemplo, mostra uma família sendo jogada aos leões. Afirmo que essa cena não deveria nunca ter saído da versão final do filme, pois acentuava justamente o que estou acabando de falar, o ponto de maldade que Commodus pedia para que a parte vilão funcionasse melhor. Reafirmo que a culpa pode nem ser de Phoenix, que talvez por escolha de Scott, que até nesse tipo de cena sentimos uma certa fragilidade provinda do grande novo imperador de Roma.

Oliver Reed, que interpretava Proximus acabou sendo um grande problema para a produção. Não, o competente Oliver não era o tipo de ator problema que causa dor de cabeça parecendo que por prazer pessoal, e sim porque o ator sofreu um infarte fatal durante as filmagens, quando boa parte de suas cenas já estavam prontas. A produção então arrumou autorização da família para manter o ator no projeto, contratando um novo ator e substituindo seu rosto digitalmente nas cenas que faltavam. Inicialmente, Proximus era para ter um desfecho diferente do que teve na versão final do filme. A bela Connie Nielsen também faz o que pode para explorar o pouco de espaço que o roteiro dá para Lucilla, então fica difícil falar algo mais profundo sobre sua atuação. Vale dizer, então, que durante as cenas que participa, ela é bem feliz e funcional. Djimon Hounsou dá um tom de confidência ao personagem de Crowe, e infelizmente essa é sua única função dentro da história. O personagem poderia ser melhor explorado, como quando ele fala sobre sua família, por exemplo, ou até mesmo no final, quando seu personagem ganha uma cena para fechar o grande espetáculo que Gladiador acabara de nos presentear.

Gladiador é isso mesmo, um grande espetáculo. Um filme extremamente divertido que brinca com a história de modo que não agradou alguns, mas acabou entrando para as maiores bilheterias da história. Com cinco estatuetas das doze pelo qual foi indicado, prepare a sua pipoca, ligue sua TV bem alto e aproveite por quantas vezes quiser essa grande produção que Ridley Scott nos presenteou, mesmo com todos os defeitos que o rodeia.

Comentários (3)

Luiz F. Vila Nova | quarta-feira, 06 de Junho de 2012 - 14:32

"Gladiador" é um dos meus 10 filmes favoritos de todos os tempos. O cinema em minha opinião é coração, um filme deve ter alma para ser realmente apreciado pela platéia, tornando-se assim em algo único e inesquecível para nós. Acredito que todos os filmes realmente marcantes, tem problemas (que alguns cinéfilos teimam em citar para tentar diminui-lo), vide "Titanic", "Avatar" e "Matrix", para citar alguns exemplos. Porém a verdade é que são esses clássicos "problemáticos" que sobreviveram na mente dos 😉cinéfilos e do público em geral.
PS. Parabéns pela análise!!!🙂

Robson Nakazato | sábado, 09 de Março de 2013 - 13:13

Gladiador é um plágio ao Spartacus(1960) de Stanley Kubrick,só mudou a ordem da historia.Seguindo aquela frase dita por Rodrigo Cunha,Spartacus ficaria mais ou menos assim: "O escravo que foi vendido a se tornar gladiador. O gladiador que se rebelou contra o império. O império que desafiou um general(com seu sonho de liberdade)"

PS: dá para perceber a homenagem de Ridley Scott para outro e maior épico de todos os tempos:Ben-Hur(1959).Vai não dizer sobre a cena das bigas.

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 17:09

Acho que a magia do cinema é essa: desprender-se dos fstos históricos e criar uma história capaz de nos emocionar. Scott possui deslizes na sua trajetória, mas é um profundo conhecedor do verdadeiro cinema. Uma obra-prima que será cultuado por muitos anos, com certeza.
\"Porque você simplesmente não morre??????\"
-Commodus

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