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Críticas

Cineplayers

Jogo de gritar.

6,0
É engraçado que, no fim das contas, A Guerra dos Sexos tenha entre seus personagens defensores tão polarizados em suas opiniões em um tempo repleto de lados como hoje, e o mesmo seja tão incrivelmente mediano e acabe não pendendo pra lado nenhum, a não ser pro lado do prazer de ter um megafone na mão de onde se possa berrar palavras de ordem, frases de efeito capazes de atrair público que se identifique com elas, cujo contexto pareça destinado apenas a isso, arregimentar multidões com um produto para exportação. A plataforma de protesto é a que se imagina: a luta contra a invisibilidade feminina, que já tinha começado anos antes e avançava décadas se acirrando e se fortalecendo. A causa é nobre, a luta é não somente justa como infelizmente é necessária até hoje. Mas que precisa de material digno de sua importância, para além de temas e do brilho superlativo de talentos individuais.

O casal Valerie Faris e Jonathan Dayton já tem uma folha de serviços prestados ao cinema, mas ainda brilha mais forte aquele que foi sua estreia e um ponto de muito acerto dentro do (para muitos repetitivo) cinema indie americano atual, Pequena Miss Sunshine, que inclusive trouxe à tona a necessidade de radiografar famílias desfuncionais na América de hoje, que até hoje rende exemplares anuais. De lá pra cá, o cinema deles passeia entre altos e baixos, sem conseguir firmar acertos nem criar uma identidade marcante, ou um ponto de reconhecimento de filmografia, vide o fato de terem trabalhado com tantas equipes e roteiristas diferentes, quase parecendo uma dupla de paus pra toda obra independentes. Nessa nova empreitada, o foco em cima de uma temática não somente antenada como precisa os fez chegar a essa história real super linkada com os tempos atuais, num produto que tem toda cara de ter sido herdado (Simon Beaufoy roteirizando e Danny Boyle produzindo... nossa, esses dois inclusive já ganharam vários bonecos juntos, como esse projeto não foi tocado pelo segundo?).

De fato não podemos negar que falte charme estético ao filme. Ambientado no início dos anos 70 e retratando a ascensão profissional da tenista Billy Jean King e a perseguição por seu talento (e a fome por atenção), na qual o veterano Bobby Riggs se empenha em sua direção, o longa é muito bem sucedido nesse sentido. Do figurino impecável à fotografia cheia de bossa (a cargo da incrível dupla de La La Land, respectivamente Mary Zophres e Linus Sandgren), empregando até belos e pontuais 'lens flares' e uma movimentação de câmera que até se adéqua ao cinema produzido no período, o filme chega ao máximo de conseguir ao menos uma incrível reprodução da partida de tênis no qual o filme gira em torno; vindo de um crítico como eu, que entende tanto de tênis quanto de física, o fato de reproduzir os pontos cruciais de um jogo importante e filmar tal partidas em planos abertos e capturando os lances inteiros é de se aplaudir. Mas é necessário deixar claro que um filme é mais do que uma reprodução de cenas com exatidão, é preciso um roteiro que dê profundidade a personagens, situações e ações, principalmente por se tratar de uma produção com tantas ambições humanas.

Material humano há de sobra em Guerra dos Sexos. Sua comissão de frente é formada por Emma Stone e Steve Carell, em grandes momentos de formas muito distintas. Ela parece definitivamente estr no grande momento de sua carreira, e entrega algo muito interiorizado e sensorial, e talvez por isso consiga fugir tanto das armadilhas em que o roteiro a enfia, pois seu olhar está sempre à frente do que é dito; já ele é o oposto disso, um personagem que é um rolo compressor de feitos, gestos, expositivo e exagerado, que ainda bem é vivido pelo ator que Carell é, que embaixo do turbilhão de coisas feitas e ditas, também consegue olhar, embora não se saiba se o espectador consiga olhá-lo. Para além deles, o elenco não só é grande como também grandioso: Bill Pullman, Elisabeth Shue, Alan Cumming (em um personagem de dar pena), e as duas cerejas do bolo, Andrea Riseborough e Sarah Silverman, que igualmente conseguem se sobressair ao tanto de clichê e frase feita que precisam ser ditas. Todos estão em plena forma e muitas cenas alcançam notas bem altas pela junção desses fatores e do naturalismo que eles conseguem apesar de tudo, mas cada diálogo parece pronto para apenas ser gritado no seu ouvido. E nenhum deles consegue se livrar do fato de que muitas coisas ali são rascunhos, e tantos outros nem isso (a família de Bobby Riggs é triste de ver, parecem bonecos sem articulação ou função). 

Não se reconhece aqui o habitual talento do cara que escreveu grandes textos, como o de Ou Tudo ou Nada. Beaufoy parece ter tido muito trabalho por aqui, pois são muitos personagens, todos com algum grau de singularidade em algum ponto, e são muitos temas, tais como o machismo vigente, a luta por um feminismo tão latente quanto refrescante, descoberta de sexualidade, homofobia, tudo muito importante, e que exatamente por isso merecia dedicação maior por todos os lados que se apresenta e isso raramente há. Com a apresentação infindável de questões e de grandes tipos vividos por grandes atores, realmente seria tarefa hercúlea dar conta de tudo. E o que se vê de fato não é um produto coeso, com um sem fim de questionamentos apresentados onde todos ficam na superfície rasa. Uma pena, por que tanto a história que se apresenta teria tudo pra render um resultado grandioso, talvez se a preocupação fosse retratar melhor e de maneira mais aprofundada todo aquele entorno, e não apenas dizer frases feitas para gerar um textão em busca de likes - infelizmente, um filme que se pretendia  retratar o ontem deveria apenas evocar o hoje, e não desejar sê-lo.

Visto no Festival do Rio 2017

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