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Críticas

Cineplayers

Após o bom quarto filme, a série volta a descambar com A Ordem da Fênix. Tão frágil quanto a literatura de J.K. Rowling.

4,5

E a mágica mais uma vez se fez: foi só começar Harry Potter e a Ordem da Fênix, o quinto, pesado e entediante filme da série do Enjoadinho e seus amigos malas, que os bocejos começaram. Pois se há um poder que é realmente forte do Enjoadinho é esse: o de entediar os espectadores com idade mental e cultural acima de 13 anos.

Em relação ao filme anterior, o muito superior Harry Potter e o Cálice de Fogo, dirigido por Mike Newell, de longe o melhor da série, este A Ordem da Fênix, do quase iniciante David Yates, é um evidente retrocesso. O Enjoadinho e os malas-sem-alça estão novamente infantilizados, recitando diálogos canhestros, piegas e tolos, embalados pela historinha frágil, que mal se agüenta nas intermináveis três horas de duração (o de sempre: Harry tristonho na primeira parte, as ameaças na segunda hora, a luta na terceira). É muito chato.

Afinal, o Enjoadinho, sem sal e sem charme, é o obrigado a segurar o filme sozinho, uma vez que seus coadjuvantes são mal aproveitados. Hermione (a linda Emma Watson), a amiga madura, vem sendo diminuída desde o primeiro filme, quando quase roubou a cena. Mas isso é normal, as mulheres costumam ser mesmo mais interessantes que os homens, é assim desde Romeu e Julieta, de William Shakespeare. A peça é Julieta, Romeu é um bobão. Tanto que as melhores coisas do filme são a nova amiga de Harry, Luna Lovegood (Evanna Lynch), uma obscura amante de pássaros que só vê quem já viu a morte de perto, e a nova namoradinha japonesa de Harry, Cho Chang (Katie Leung) – afinal, o Enjoadinho, agora de barba e músculos torneados, dá seu primeiro beijo. “Foi úmido”, resumiu.

Já Rony Weasley (Rupert Grint), em tese o melhor amigo do Enjoadinho, tem poucas aparições durante o filme e não mais do que umas 10 falas. Também foi assim com Romeo e Julliet: Shakespeare matou Mercúcio, o melhor amigo de Romeo, logo no primeiro terço da peça, antes que ele tomasse a cena. Lembram-se do jogo de xadrez do primeiro filme? Pois é, Rony continua tão constrangedor quanto.

Além disso, a série Harry Potter é um desperdício de atores do primeiro escalão da Inglaterra em papéis insignificantes. Maggie Smith, a grande dama do teatro e do cinema, aparece três vezes no filme, duas delas só fazendo figuração. Alan Rickman, no pouco que aparece, ilumina e dá alento. O mesmo não se pode dizer de Helena Bonham Carter, Emma Thompson e Imelda Staunton, caricatas e mal dirigidas, em atuações constrangedoras. Gary Oldman deve ter se sentido aliviado, pois seu personagem morre no final. Nem mesmo a luta final de Michael Gambon e Ralph Fiennes traz algum benefício: seus personagens, para citar uma fala de Hermione, “têm a profundidade emocional de uma colher”.

Mas houve algumas melhoras gerais. Saiu a pavorosa trilha sonora de John Williams (o filme anterior era melhor, de Patrick Doyle) e entrou a do compositor Nicholas Hooper, o que deixa o filme mais aprazível e menos torturante para os ouvidos. Os efeitos visuais continuam impecáveis, sendo que toda a cena final foi feita para ser vista em Imax, com óculos de terceira dimensão, nos cinemas que detêm a tecnologia. Saiu também o roteirista Steve Kloves, que fora apontado como responsável pelo fracasso da série como um todo por ser reverente demais com o original. A entrada de Michael Goldenberg (que escreveu Peter Pan e Contato) tampouco contribuiu muito.

Se há algo impecável no filme e digno de todos os elogios é o departamento de arte. Na verdade, Harry Potter e a Ordem da Fênix é um desfile luxuoso de cenários grandiosos meticulosamente desenhados pelo desenhista de produção Stuart Craig. Três vezes ganhador do Oscar (por Gandhi, pelo espetacular trabalho que fez em Ligações Perigosas e pela sofisticação de O Paciente Inglês), é provavelmente o único da equipe técnica que não foi convidado a sair desde o primeiro e desastrado Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001). É dele ainda a direção de arte de filmes que, por ele decorados, se tornaram belos: Chaplin, O Homem Elefante, Os Vingadores e O Jardim Secreto.

Toda essa beleza (nunca a escola Hogwarts esteve tão bela) é embalada pelas belíssimas luzes do fotógrafo polonês Slawomir Idziak, conhecido colaborador do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, para quem fotografou magnificamente A Dupla Vida de Véronique e A Liberdade é Azul.

Se o quarto filme da série é melhor é porque seu diretor, o excelente Mike Newell, é melhor do que os demais. David Yates veio da televisão (nota-se pelos excessos de caricaturas de praticamente todos os coadjuvantes), veículo pelo qual dirigiu inúmeras séries e telefilmes. É dele A Garota da Cafeteria (HBO). O fato de os produtores terem escolhido um estreante para dirigir um filme tão complexo é fácil de ser explicado: queriam alguém que não interferisse muito na série. Um peão, como diz o Arnaldo Jabor. E o peão Yates fez um filme dentro das suas limitações de peão (sem ofensas aos trabalhadores rurais). 

Os filmes de Harry Potter são vistos com certa condescendência porque afinal as crianças estão lendo os livros. Tenho sérias dúvidas se alguém que leia a frágil literatura de J. K. Rowling vá ser um bom leitor no futuro, digamos de Proust. As crianças, claro, adoram, pois são menos exigentes e adoram histórias repetidas. Os adolescentes de verdade, até uns 17 anos, treinados que são pela sociedade e em especial pela mídia a idolatrar os bezerros de ouro atuais, as celebridades, idolatram Harry Potter, como idolatram também Britney Spears, Paris Hilton, Justin Timberlake etc.

Enfim, o fenômeno Harry Potter no cinema quase ameaçou levantar vôo de sua mediocridade no filme anterior, mas foi golpeado agora de novo em A Ordem da Fênix, um produto comercial que faz parte de uma estratégia de venda de um produto milionário – e, infelizmente, não muito mais do que isso. Não é uma obra de arte, como o anterior, mas um instrumento de propaganda, dentro do marketing elaborado para vender a franquia Harry Potter.

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