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Críticas

Cineplayers

Um sóbrio e belo filme de Lynch.

9,0

O hoje consagrado diretor David Lynch dirigiu O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980) no início de sua carreira. Com o filme indicado a oito prêmios Oscar, Lynch já se destacara desde então como um cineasta diferenciado. Filmada em preto-e-branco, a história real do homem de rosto e corpo desfigurados, que é usado como atração principal pelo dono de um circo na Inglaterra vitoriana, é uma bela lição sobre humanidade.

A trama é desenhada com clareza e a narrativa, simples e objetiva, contrasta com o Lynch de tramas complexas como o de Cidade dos Sonhos (Mullholand Drive, 2001). Contido, sem maneirismos inovadores, o diretor segue à risca a cartilha de filmagem do cinema clássico e se sai muito bem – anos mais tarde, pôde se arriscar com o abstrato que o consagrou entre os cinéfilos.

Logo de início, o circo apresenta seu show de bizarrices, no qual o homem elefante, interpretado por John Hurt, é a atração principal. Tratado como se fosse de fato um animal em razão de sua rara doença, o homem que posteriormente se apresenta como John Merrick sente-se coagido e parece não conseguir enxergar em si próprio um ser humano. Apenas quando o Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins) se revolta com a exploração que é feita de John e resolve tentar ajudá-lo de alguma forma, é que o próprio homem elefante começa a se descobrir com alguém tão normal como qualquer outro.

John Merrick pode parecer, a princípio, uma exceção em razão de seu físico, mas, na verdade, é a representação de algo/alguém que foge da normalidade cotidiana, daquilo que é classificado como comum, e por isso sente na pele o preconceito, já que tudo o que é diferente tende a ser visto com receio e medo pela sociedade. A situação enfrentada pelo homem elefante não difere de problemas pelos quais outras muitas pessoas com alguma deficiência ou diferença passam.

É assim, ao realizar essa identificação com o espectador, que a história se estabelece como uma narrativa atemporal – e faz sua mensagem ser compreendida e, acima de tudo, sentida. Sensível na construção do enredo, O Homem Elefante mostra a jornada de autodescobrimento de um homem que, por ser diferente, aceitava de forma passiva ser considerado uma aberração. O desenvolvimento do personagem e suas novas percepções de mundo emocionam.

Explorado durante muito tempo pelo responsável pelo circo, John sente-se sempre na defensiva e é incapaz de cometer um ato de maldade contra aqueles que ainda se aproveitam de sua imagem e o maltratam, justamente por ser, no fim das contas, um ser humano, expondo, ao mesmo tempo, o lado animal - e desumano - daqueles que se consideram normais. E é quando o próprio médico reflete sobre seu caráter, ao ponderar a hipótese de ter se tornado aquilo que condenava por ter alcançado fama e prestígio ao acolher e auxiliar John, que ele se diferencia dos demais. Esta é uma questão que o diretor entrega ao público, mas ao se questionar, o médico acaba mostrando que em seu ato nunca houve a intenção de se beneficiar da doença de John. A exposição que um dia foi maléfica para o homem passa a ser o que lhe garante o apoio da aristocracia inglesa e o resgata da condição de animal para a de um artista sensível sem condições físicas de demonstrar seu talento – e até por isso os minutos finais são tão emblemáticos. 

O Homem Elefante marca o espectador com a construção de seu desfecho.  A cena da estação de trem, por exemplo, na qual John se sente acuado e intimado pelo olhar reprovador dos demais, proporciona frases clássicas que, pelo contexto, tornam-se emocionantes: “não sou um elefante”, “não sou um animal”, “sou um ser humano”, “sou...um homem”. John Merrick foi um homem que conviveu boa parte de sua vida cercado por animais.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 13:25

Além das ótimas interpretações de Hurt e Hopkins, o filme é muito bonito, tento visual como artísticamente falando. Conheci através de meu pai, é sem dúvidas uma obra quase esquecida injustamente.

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