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Críticas

Cineplayers

E do sangue se extraiu a beleza.

9,0
Provavelmente não teve outro gênero em 2016 que brilhou mais que o terror. Tudo que aportou nos cinemas esse ano deu certo, por um lado, por outro ou por todos, praticamente. Não sabemos se oficialmente há um movimento cujos diretores estejam envolvidos entre si em empenho de suas produções no geral, mas há sem dúvida uma renovação no gênero, e mais que isso: uma preocupação em contar não apenas as melhores histórias possíveis, mas principalmente em criar um leque de opções dentro do mesmo escaninho. Mesmo os projetos de lançamentos futuros tem excepcional expectativa e potencial enorme de arrecadação e aprovação crítica.

O ano se abriu com o lançamento do vencedor do prêmio de direção em Sundance, 'A Bruxa'. No rastro dele vieram 'Águas Rasas', 'Invocação do Mal 2', 'Quando as Luzes se Apagam', 'The Invitation', o novo capítulo da franquia 'The Purge' (que deixou de chamar 'Uma Noite de Crime' por aqui e agora atende por '12 Horas para Sobreviver', com estreia agora em 6 de outubro), além de novos 'Bruxa de Blair', 'Ouija' e 'O Chamado'. O sucesso é fácil de configurar porque o filme mais caro desses é a continuação do sucesso de James Wan, que custou módicos 40 milhões; todo o resto não chega a 10 e arrecada mais de 100 pelo mundo, em cifras contínuas e impressionantes.

Atrelado a esses filmes e a um número igualmente expressivo de cineastas que passam pelo já citado Wan e também Robert Eggers, David Robert Mitchell, Jaume Collet-Serra, Mike Flanagan, o Fede Alvarez desse 'O Homem nas Trevas' e até uma seara feminina liderada por Jennifer Kent e Karyn Kusama, é um grupo heterogêneo que apenas está explodindo junto e com certeza tem interesse no sucesso uns dos outros, mas que versam em diferentes vertentes do horror. Filmes mais psicológicos, outros mais explícitos, uns "artísticos" e outros com propósitos mais comerciais: como podemos ver, temos um número grande de interessados em expor o gênero e ainda maior de formas de contar um gênero que atravessou os 100 anos do cinema em constante mutação. Chega no novo milênio com força assustadora, ainda bem.

Fede Alvarez tem a carreira jovem, mas não é um doidivanas aventureiro e sortudo. Vindo do acertado sucesso que foi o remake de 'A Morte do Demônio', Alvarez teve a sua disposição fazer o que bem entendesse em seu próximo passo. Sem uma sombra com a qual se preocupar, o jovem uruguaio ficou livre para não apenas criar a história que quisesse, como também a deixar claro de que a nova onda de cineastas interessados em gênero a surgir nos EUA tem a seu favor um imenso talento de realizador. E não, não estou dizendo apenas que Alvarez conhece os macetes do terror, o cara simplesmente saca tudo de mise-en-scene. E das boas, das acachapantes. Além de ter um talento absurdo para contar sua história da forma mais magnética possível, Alvarez risca os fotogramas com alguns dos mais belos planos da temporada, com riqueza imagética de detalhes e uma fotografia nunca menos que espetacular (a cargo de Pedro Luque, igualmente responsável por 'O Silêncio do Céu', do querido Marco Dutra).

O uruguaio mostra a que veio no primeiro plano, uma panorâmica de uma rua deserta... que vai se tornando cada vez mais assustadora a cada gradativa aproximação do zoom. Daí já tiramos que o filme não está afim de brincadeira, e Alvarez se mostra interessado em aprofundar a premissa do 'Quarto do Pânico', o hoje esquecido 'guilty pleasure' de David Fincher. Os elementos são os mesmos: um incapacitado portador de uma fortuna em casa será visitado por três cidadãos interessados em tomar pra si o que é dele. Se Jodie Foster precisava enfrentar seu temor em sair de casa, aqui Stephen Lang é um cego veterano de guerra com um passado de tragédia familiar. Obviamente que o trio dos dois filmes não imaginavam que a tarefa seria tão difícil.

Pela fluidez da experiência, não convém contar nada além dessa muito básica e óbvia premissa, mas cabe ressaltar os valores filmicos alcançados por Alvarez. Dotado de mão ágil e com um invejável 'timing' de tensão já vistos em seu longa anterior, não é surpreendente constatar que ele torna a conseguir o mínimo dentro do que pede o gênero; ir além é o objetivo e ele vai. Num casamento perfeito com o Luque e seu trio de montadores, o quinteto impressiona ao nível da perfeição. É virtualmente impossível penetrar no filme e não ficar embasbacado na fluência que ele consegue entre o espetáculo e a arte de contar muito bem uma história cheia de camadas. Ainda que nem todas sejam descortinadas a contento (ao menos um personagem está a deriva dos quatro únicos em cena), o filme trabalha com um roteiro engendrado e acima da média,  que não deixa de dar novas cartadas de tempos em tempos, sempre a ressignificar o todo. Como Alvarez entende e veio claramente para aprofundar seu ofício, ficamos reféns da belíssima realização. Sim, não imaginei que fosse atinar pra isso, mas 'O Homem nas Trevas' é um dos mais bonitos filmes da temporada.

Comentários (2)

Paulo Faria Esteves | quinta-feira, 15 de Setembro de 2016 - 18:56

Boa introdução, gostei bastante. Só achei estranho o "pq", hehe...a propósito, se a listado 2º parágrafo não fosse só de 2016, eu acrescentaria Invasores (2015), que tem uma premissa bastante parecida com este Um Homem nas Trevas. Aliás, seria muito "legal" se o género Terror começasse uma moda de filmes com personagens que invadem uma casa para fazer mal aos habitantes e depois descobrem que os habitantes são o verdadeiro terror!😁 Acho que até o Você é o Próximo (2011) já fez isso...

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