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Críticas

Cineplayers

Um espetáculo pouco silencioso.

5,0
Nos últimos anos, os filmes Corrente do Mal (It Follows, 2014) e A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale, 2015), assim como outros poucos, colocaram o gênero de horror sob uma celebrada perspectiva de originalidade moderna. Elogia-se, nesses filmes, a possibilidade de múltiplos subtextos psicológicos e sociais ou, por uma leitura que vai mais além dessas interpretações modernistas, a força do seu quadro de referencias (nesse sentido, A Bruxa se destaca, pela facilidade com que é possível trazê-lo à pintura ou literatura). Há também um entusiasmo geral e expectativa por um renascimento do cinema de horror, um que traga filmes livres desse pastiche constante em que se meteu a indústria, que há décadas está presa em um loop de imitar a imitação. Hoje, não existe nenhum gênero no cinema tão autoconsciente e autorreferencial quanto o horror. Corrente do Mal e A Bruxa escapam ao estetizarem e politizarem a própria autoconsciência.

Diante desse quadro, é até curioso que um filme como Hush - A morte Ouve (Hush, 2016), que estreou na Netflix desde sexta-feira (08/04), seja recebido com tanto carinho pela crítica. O filme é um dos pastiches mais frequentes do gênero: o do filme perseguição, o jogo gore, e desmotivado, de gato e rato. Maddie (Kate Siegel) é uma escritora surda-muda que mora sozinha em uma casa afastada da cidade. Tendo dificuldades para terminar seu novo romance, a casa de Maddie é sitiada por um assassino que se deleita no terror e medo que causa a sua vítima.

O diretor Mike Flanagan está certamente longe da mesma picaretagem de James Wan (Jogos Mortais, A Invocação do Mal), que se contenta em construir o filme ao redor do espetáculo de sustos que normalmente se espera dos filmes do gênero que entram no grande circuito. Ainda que não partilhe da mesma superficialidade, no entanto, a construção de cena de Hush não vai além do espetáculo narrativo e estético que o jogo de perseguição propõe. As especificidades do filme, como a surdez de Maddie ou seus dons de escritora, são exploradas apenas para engrandecer esse espetáculo cenográfico.

Por outro lado, Flanagan tem um bom controle do espetáculo. Diferente de outros pastiches, como Invocação do Mal, que se colocam esteticamente como a afirmar uma seriedade para o gênero, ou uma reinvenção dele, Hush se reconhece como espetáculo e é um filme coeso à própria estupidez (e realmente pretendo isso como um elogio). Gosto particularmente de como ele é marcado de fato por tentativas de fuga e captura como um episódio qualquer de Tom e Jerry.

Sua estupidez, porém, é notável. Elementos que terão função significativa mais adiante na trama são sugeridos no primeiro ato com a sutileza de uma pato de 20 metros de altura na Av. Paulista. E os buracos de roteiro necessários para sustentar o espetáculo (que não pode desacelerar um único segundo), ainda que façam parte dessa coesão que, acredito, favorece o filme, podem se tornar particularmente irritantes para o espectador mais cínico.

E aí está a minha contradição diante desse filme. Apesar de admirar a coesão do seu espetáculo, de seu jogo de gato e rato, lamento o quão longe ele se coloca da inventividade e do mistério estético e narrativo que o gênero possibilita, o quão distante ele se coloca, como pastiche, do material original de onde toma suas referências diretas e indiretas. Para não ficar em termos gerais, acho lamentável como o antagonismo entre assassino e vítima não está interessado em investigar a dificuldade comunicacional ou mesmo o silêncio que o filme evoca na deficiência da protagonista ou no título. Em relação a isso, tudo o que Hush nos oferece é uma constatação óbvia: ela não pode escutá-lo. O filme não abre mão nem mesmo do diálogo entre assassino e vítima, o primeiro artifício que poderia ser dispensado (e que é dispensado na maior parte dos clássicos do subgênero). Ao contrário, Hush nunca abre mão de seus recursos textuais. A linguagem de sinais, nas poucas vezes em que é utilizada, vem acompanhada de legenda; Maddie consegue ler lábios, o que permite ao vilão uma tagarelice incomparável, e conhecemos até mesmo a voz que ela imagina que seria a sua, que ela explica ser a da sua mãe.

Seria tolice, enfim, imaginar que alguns poucos filmes a experimentar um pouco mais com o gênero abalariam a lógica industrial dos pastiches que compõem a maior parte dos filmes de terror. Só considero decepcionante ver um diretor habilidoso como Flanagan tão distante do experimento. The Babadook, Corrente do Mal e A Bruxa são todos bons filmes. Mas entre o bom terror-dramático (considerando assim esse aclamado terror de subtextos modernos) e o terror-espetáculo encontramos um abismo que há décadas não é superado.

Comentários (4)

Bruno Kühl | segunda-feira, 11 de Abril de 2016 - 19:49

Concordo com a avaliação sobre o filme, é triste uma obra que começa tão cheia de possibilidades ir se tornando num pastiche à la carte rs, cheguei ao final um pouco decepcionado principalmente depois de esperar que o Flanagan mantivesse o nível de "O Espelho", mas mesmo assim é bem divertido e rende umas cenas boas.

Agora achei desnecessárias essas investidas contra Invocação do Mal e o "terror-espetáculo", acho que depende muito do estilo e da forma que o filme pretende contar sua história, Invocação tem jumpscare e é hollywoodianizado, mas mesmo assim é um grande filme e que diz/referencia muito do seu gênero.

Italo | quarta-feira, 13 de Abril de 2016 - 01:12

só o Wan sabe mandar bem com o terror-espetáculo

Lucas Nunes | terça-feira, 10 de Maio de 2016 - 15:42

Flanagan>>>>>>>>>>>>>>>>>>>Wan

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