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Inabitáveis

(Inabitáveis, 2019)
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Críticas

Cineplayers

O desejo de submergir

9,0

A palavra imersão associada ao Cinema geralmente vem atrelada a um conceito estético que não aceita meios termos: ou é ditado pela grandiloquência ou pelo minimalismo, ambos extremados. Anderson Bardot pede pelo mesmo ao espectador, trabalhando em registros múltiplos para referendar o universo de seu filme, que versa sobre ângulos díspares de uma narrativa. A um só tempo particular e amplo, Inabitáveis não se contenta com um lado.

Diferente de outros títulos, o filme consegue abarcar lados singulares que montam um painel multifacetado sobre desejo, arte e racismo, histórico e contemporâneo. A pulsão que nos arremessa em direção aos eventos e o que move os seres em questão em determinados caminhos é um dos pontos observados por Bardot, uma narrativa absolutamente atual para condensar décadas de discussão.

Se um personagem em situação humilhante é refletido em arquivos de compra e venda de escravos e tais desenvolvimentos se atraem, abrindo um painel organizacional sobre uma fatia oprimida por séculos, é porque tais pulsões ainda hoje possam ser confundidas e cometidas, onde inclusive estariam a um passo de projetar um reflexo invertido de sentimentos e intenções - a arte como válvula de recondicionamento de ações. Atração e repulsão frente a frente.

Com um trabalho impressionante de montagem a cargo de Carolini Covre, Inabitáveis situa no jogo cênico da dança e do cinema um lugar de libertação gradual do indivíduo sem esquecer do fastio inerente a qualquer batalha. Na fala do personagem coreógrafo em seu pleno exercício de atividade , o filme empreende um norte narrativo que consiste na mesma premissa para a vida: tirar do cansaço o fôlego suficiente pra empreender brilho; no espelho das relações humanas, o filme ainda trata sobre um processo de reencontro particularizado de seus personagens, além de permitir que a luz incida e embeleze corpos negros não acostumados com a representação de desejo que não os objetifique. 

O vetor narrativo final para conseguir identificação e engajamento é o aprendizado e a troca. Em tempos onde uma chuva de fluidos possa ser metaforicamente amplificada para fora da fobia e adentrar o terreno da atração (sem jamais justificar seu crime), é necessário que a luta seja perpassada intergeracionalmente, a dar fôlego para ambos os lados. Ao vencer o caminho do terror diário para conseguir uma diminuta e solitária glória, Bardot abençoa seu personagem com a reconfiguração da humilhação através da arte, ressignificando e abençoando o desfecho com as bênçãos de Iansã em um rito de recuperação da auto estima diante do perigo da adversidade.

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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