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Críticas

Cineplayers

Sobre a marginalidade de ser pensante.

9,0
Marcus Messner é um jovem nada ortodoxo. Judeu porém agnóstico assumido, se recusa a ir para a Guerra da Coreia como vários outros jovens colegas da vizinhança, e escolheu frequentar uma faculdade longe da pressão exercida pelo pai, que está entrando num estranho processo de 'ninho vazio', agredindo e afastando esposa e filho ao invés de aproximar. Temos esse quadro inicial do ponto de partida de Indignação, estreia na direção do roteirista e produtor James Schamus, colaborador habitual de Ang Lee, e isso também significa múltiplo indicado ao Oscar. Estreando em longa de uma forma que poucos fizeram como ele - depois de uma longa, bem sucedida e premiada carreira em outros lugares de um longa - Schamus aposta em um subgênero pouco feito e menos ainda convincente e autêntico. Talvez os anos e a experiência tenham dado subsídios para essa estreia tão especial, mas a verdade é que muitos já tentaram e não fizeram a passagem como ele. Sorte nossa dessa vez.

O romance moral talvez seja o forte de Philip Roth, autor do romance no qual o longa se baseia, infelizmente um autor tão brilhante quanto pessimamente adaptado. Outras vezes foram tentadas, uma delas esse ano também inclusive, e todas pareciam de mal parecido, um ponto de partida especial que vemos descendo pelo ralo cena a cena. Schamus ocupa com seu longa de estreia o lugar que Nick Hornby vinha trilhando seus mais recentes acertos nas telas, adaptando os romances morais de Colm Toibin e Lynn Barber de maneira tão vivaz e impressionante que não temos nada mais positivo para fazer com 'Indignação' que não comparar a elas, no qual esse recente exemplar não perde em absolutamente nada. Se Brooklyn e Educação falavam respectivamente sobre alçar voo rumo a lugares inóspitos como crescer e a impressionante tarefa diária, mágica e gradual de aprender, o leque de 'Indignação' é amplo, talvez mais amplo que seus co-irmãos de alma.

Marcus é tão complexo e apaixonado quanto Eilis e Jenny, e também não é nosso contemporâneo como elas. Marcus não é ingênuo quanto elas a princípio, mas no exato oposto: apresentado como um jovem adulto a frente do seu tempo, com opinião formada sobre o mundo que o cerca e disposto a dá-la diante de qualquer adversidade ou posicionamento, Marcus cai em desgraça lá pelas tantas. Sinal de que a imaturidade sempre há de dar o ar de sua graça quando não a temos mesmo, por mais que o quadro inicial seja diferente. Mas isso não vem ao caso, Marcus é um ser humano em formação e está prestes a aprender e ensinar lições, seja qual for seu estado.

James Schamus deve ser muito fã dos longas citados acima, e se não ao menos conseguiu reunir em sua estreia predicados que também estão presentes neles. Com um roteiro que trata seus personagens de maneira tridimensional e repleta de desdobramentos, é muito feliz assistir a um filme adulto onde até o menor dos coadjuvantes tem um arco dramático e um vasto repertório que se descortina em cada diálogo, todos muito aguçados e deliciosos de ouvir. Nada disso seria suficiente se o elenco certo não estivesse a disposição, e se Sarah Gadon, Tracey Letts, Linda Emond, Danny Burstein e todo o imenso elenco estão nunca menos que excelentes, o espetáculo não seria completo se o ator certo não tivesse pego Marcus Messner. Após a sessão, Logan Lerman mais uma vez terá provado um nível de excelência que só se renova. Um dos mais completos atores de sua geração, Lerman tem feito coisas assustadoramente espetaculares por onde passa e aqui mais alguns degraus são escalados. Num mundo perfeito, não haveria qualquer dúvida sobre o quão ele deveria estar em todas as listas de melhores do ano, e só a longa cena de discussão entre Marcus e o reitor da faculdade Caudwell já seria suficiente para atestar qualidade intrínseca ao filme como um todo, Lerman e Letts em particular. Mas Schamus compõe uma das mais hipnotizantes cenas do ano, um diálogo que parece eterno onde se debate religião, responsabilidade, machismo, moral, paternidade, e tantas coisas mais.

Aliás, muitas dessas coisas são as molas na qual se armam a dramaturgia de Indignação, um filme que sem nunca disfarçar discute sobre coisas que infelizmente não saíram de moda: repressão sexual, misoginia, as ordens sociais que regem o masculino e o feminino e aprisiona homens e mulheres, pessoas que tentam fugir das normas sociais e pagam um preço muito alto por isso. Através de um encadeamento de roteiro preciso e de diálogos muito ricos que destroi cada uma dessas arcaicas questões, Schamus consegue ainda uma direção muito requintada e tecnicamente impecável, com uma sobriedade que serve tanto para encarcerar seus personagens como para promover arremedos de sonhos que serão sacrificados em nome dos eternos mal entendidos infelizmente muito reais.

Marcus e sua eterna musa Olivia acabam por se envolver e se tornar mais uma peça da engrenagem de um tempo e de uma carpintaria que excluia (exclui?) os que pensam e promovem a ascensão doa iguais, do comum, da linha de produção mecanizada, em detrimento dos seres que parecem fugir de confrontos, mas que estão constantemente dispostos ao enfrentamento. Dúbio né? Pois é... Marcus e Olivia são complexos assim, ricos assim, de fácil assimilação e identificação assim. E isso é um dos muitos motivos pelo qual 'Indignação' é um filme que parece entregar tão pouco, escondendo um filme tão poderoso e reflexivo nas entrelinhas.

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