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Críticas

Cineplayers

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6,0

Vencedor do Prêmio de Júri de Sundance e da Caméra d’Or de Cannes, que premia os melhores debutantes do ano (que já premiou alguns nomes hoje conhecidos, como Jim Jarmusch e Steve McQueen), Indomável Sonhadora (Beasts of The Southern Wild, 2012) tem tudo para ser o filme-sensação do segundo semestre desse ano e início do ano que vem. Apesar de ser um filme um tanto diferente do padrão mediano de produção americano, tem uma estranha sensação de familiaridade que o aproxima de muitos outros filmes que envolvem infância e amadurecimento.

O diretor novaiorquino Behn Zeitlin tira do fundo da Louisiana uma história que funde documento, drama e fantasia: em tom documental, filmado quase sem refletores e em película dezesseis milímetros, o filme conta a história da pequena Hushpuppy, uma garota residente da Banheira, uma pequena comunidade em uma ilha cercada por águas agitadas que correm o risco de deixar a comunidade debaixo d’água na primeira tempestade forte. Junto com seu pai, ela cresce se esforçando para sobreviver junto com seus vizinhos, todos pessoas perseverantes que adoram o local onde nasceram. Hushpuppy gosta de pensar em si e nos seus vizinhos como bestas da natureza selvagem, indivíduos fortes e de muita fibra moral; seus sonhos e devaneios são povoados constantemente por suínos imensos, peludos e com chifres.

Longe de se adaptar a uma abordagem surrealista, Indomável Sonhadora talvez tenha mais a ver, pelo menos de maneira superficial, com o realismo mágico, do sobrenatural e do etéreo se incorporando no cotidiano, misturando com os problemas muito concretos dos protagonistas que enfoca. Pelo ponto de vista de Hushpuppy, uma pequena criança de cinco anos, tudo parece grande, imenso, encantador e assustador na mesma proporção; isso vai dos animais que cria à inundação da Banheira, passando pela doença fatal que mina a saúde de seu pai.

O roteiro é simples e funcional: lentamente somos levados a participar de um universo estranho e singular; com a fotografia naturalista em conjunto com seus poucos efeitos especiais para construir a atmosfera próxima porém absurda, o filme revela-se de uma narrativa nem um pouco pesada ou difícil de se assistir: seus personagens são empáticos, curiosos ou apenas engraçados o suficiente para que a conexão com o grande público seja estabelecida de forma rápida.

Filmes sobre o crescimento, vistos através de olhos inocentes dos infantes são um filão muito popular; agora então, que a censura do público médio quanto a temas possíveis de serem abordados em filme assim já abrandou, é cada vez mais comum que os filmes tratem de assuntos cada vez mais sérios tornados leves pela simples questão do ponto de vista. Não é demais apontar uma ligeira semelhança com filmes como Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are, 2009), de Spike Jonze, ou mesmo o provável pai de todos eles, O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962) – que tratam de assuntos muito mais pesados do que podem em um primeiro momento parecer tratar.

Claro que a atitude de Zeitlin caiu como uma luva para os nossos tempos para o grande circuito comercial; já somos carregados de certa dose de cinismo e realidade, mas dificilmente um espectador médio aprovaria um filme seco, direto e pesado tendo a protagonista que tem, obrigatoriamente precisando crescer mas, é claro, sempre poupando o espectador dos detalhes mais sórdidos.

Seu filme, no final das contas, é uma obra que não cresce justamente por ser tão enquadrada apesar da ambição estética ser tão diferente do usual, assumidamente independente em sua bitola documental e sua câmera nervosa constantemente no ombro seguindo a movimentação intensa dos seus personagens somada à gritaria dos seus diálogos que completam uma atmosfera selvagem e nunca tranqüila. É gritante a facilidade de antecipação ao se assistir; a sensação de que já se viu a obra antes, apesar das imagens tão diferentes, cresce aos olhos depois do primeiro ponto de virada. É um filme que nunca foge do horizonte de expectativas a que se propõe. Nunca surpreende, firme na crença que a catarse, a redenção, o pathos necessário, fará o espectador se lembrar do filme.

Mas não, Indomável Sonhadora não é um clássico instantâneo, tampouco um dos melhores debuts já vistos. Ambicioso e carismático, mas um tanto submisso aos padrões temáticos e dramatúrgicos das grandes massas, fica a dúvida sobre o que filme tem a acrescentar a uma indústria tão saturada, há tantos anos, de filmes do tipo. De tão feito na medida para um público mediano, a aventura de Hushpuppy em busca da salvação da Banheira e do seu pai só se difere mesmo quando resolve assumir seu lado fantástico e sobrenatural - mas nem tanto, já que a analogia entre humanos durões e bestas selvagens é tratada de maneira tão melodramática e óbvia em seu desenlace que no final das contas acaba resultando em um filme tão mediano quanto. Por que ganhou um prêmio que já foi conquistado tradicionalmente por realizadores mais alternativos? Porque simplesmente atende aos anseios dos nossos novos tempos, onde o “alternativo” e o “popular” acabam se misturando e muitas vezes se confundido. É carismático? Com certeza. Se é marcante? Aí só o tempo e o público dirão.

Comentários (12)

Diego Bauer | sábado, 23 de Fevereiro de 2013 - 23:08

Acho que quando a sessão acaba é bem natural ficar na dúvida se é um ótimo filme, ou um trabalho bom, mas com mais forma que conteúdo.

Considero-o válido.

E Quvenzhané Wallis é realmente impressionante, mas acho que o econômico Suraj Sharma, também jovem e desconhecido, teve um desempenho mais maduro e desafiador em As Aventuras de Pi, e não recebeu um lobby tão grande em torno do seu nome.

Conde Fouá Anderaos | segunda-feira, 04 de Janeiro de 2016 - 14:48

http://blogdohomerix.blogspot.com.br/2013/04/outra-visao-sobre-o-filme-adoravel.html

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