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Críticas

Cineplayers

Belo drama sobre a imposição dos valores femininos.

7,0
Enquanto arte (também) política, o cinema atual tem sido adotado como uma das principais fontes de força para a demonstração do papel feminino no atual contexto de produção. Mulher-Maravilha, por exemplo, acaba de se tornar a produção dirigida e estrelada por mulheres (Patty Jenkins e Gal Gadot, respectivamente) mais rentável da história, algo comemorado alardamente como mais um simbolismo de que as figuras femininas também podem e devem serem compreendidas como tão responsáveis por um bom trabalho quanto os homens.
 
Saindo do âmbito comercial, falar de Um Instante de Amor, filme exibido durante o Festival Varilux de Cinema Francês deste ano, é também mais uma oportunidade de falar sobre o que é o cinema feito por mulheres, sobre mulheres, mas nunca apenas para mulheres (apesar das abordagens sempre carregarem aquele toque mais sensível para o público feminino). Tanta ênfase nesse cinema de mulheres é justamente para ressaltar o quanto o novo filme de Nicole Garcia (Um Belo Domingo) abraça a temática da feminilidade abordando o desejo sexual impetuoso de uma mulher, Gabrielle (Marion Cotillard, sempre excelente), que vive numa realidade ainda tão familiar, onde homens definem seus rumos, suas escolhas, seus sentimentos, suas vontades, sua vida. A individualidade feminina é discutida aqui dentro das amarras de uma “obrigação padrão” na vida das mulheres: o matrimônio.
 
Munida de uma narrativa calcada muito mais na percepção de toques e olhares do que em seus diálogos raramente expositivos, Garcia adota diversos simbolismos para discursar sobre a fuga constante de uma personagem feminina das responsabilidades atribuídas a seu gênero, como a obrigação do casamento, a imposição da gravidez (algo que Gabrielle encontra dificuldades) para a formação de uma família, a passividade diante das decisões paternas… É notável como cada escolha de Garcia, seja ela sutil ou não, está ali para reforçar o estado de fuga da personagem de Cotillard, algo que encontra significado nas fortes dores renais, em clara alusão ao aprisionamento na vida de Gabrielle, e cujo desejo em se desfazer dessas amarras e assumir sua intensa feminilidade também é simbolizada nos fortes desejos sexuais de Gabrielle.
 
Sem se deixar levar por caricaturas e estereótipos femininos (embora, vez ou outra, o roteiro de Garcia com Jacques Fieschi possa ser confundido como tal), Um Instante de Amor é belamente funcional nesse estudo de dilemas sobre o papel da mulher versus o seu desejo em se libertar de tais imposições, onde a direção econômica, quase clássica, de Garcia nos permite desmistificar a figura de Gabrielle, algo prejudicado apenas pela segunda metade do longa, quando o surgimento de uma paixão avassaladora (Louis Garrel) leva o ritmo do filme para um quê de pretensão, como se num objetivo (desnecessário) de mais uma vez negativar a figura masculina diante dos sentimentos de Gabrielle, o que leva o discurso a certa redundância.
 
Mas é deveras essencial ceder essa atenção a filmes como Um Instante de Amor, um trabalho essencialmente feminino, sóbrio em grande parte do tempo sobre os temas que aborda, enriquecido pela presença de uma atriz compreensiva sobre seu papel e complexo nessa desmistificação sobre papéis, valores e obrigações ao sexo feminino. Belo filme.

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