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Críticas

Cineplayers

Os Intocáveis é uma obra-prima magnificente, principalmente em termos técnicos. De Palma perto da perfeição.

9,0

Mesmo os inúmeros detratores (e são muitos mesmo) do diretor Brian De Palma não deveriam negar: Os Intocáveis é uma obra-prima magnificente! Em 1987, o diretor conseguiu aliar um elenco impressionante, uma reconstrução de Chicago linda, um roteiro delicioso (baseado em fatos reais) e, principalmente, apuro técnico que poucas vezes viu-se no cinema. Hoje em dia esse filme entra em qualquer lista de melhores filmes sobre a Máfia já lançados no cinema, lado a lado com outras obras importantes do gênero como a trilogia O Poderoso Chefão, Era Uma Vez na América, Os Bons Companheiros e, em menor escala, Ajuste Final. Seu lugar nessa lista não é gratuito, e tentarei aqui, nos parágrafos subseqüentes, justificar o porquê dessa afirmação.

Sempre que penso em Os Intocáveis me vem à mente seu espírito solto. Não é um filme tão pretensioso quanto O Poderoso Chefão. Talvez tecnicamente sim, mas não em termos de roteiro. Bem pelo contrário. Um agente federal fracassado que junta um grupo formado por um tira novato, um contabilista desajeitado e um policial veterano, com o objetivo de derrubar o poderoso Al Capone? A diferença de forças é gritante. Quase risível. O responsável pelo ótimo roteiro é o também diretor David Mamet, que conseguiu manter bons diálogos, ótimas situações, mas sem nunca soar arrogante ou auto-importante demais. Os “concorrentes” citados no parágrafo anterior (com exceção de Os Bons Companheiros) são o oposto disso: diálogos prepotentes e situações bastante complexas, intrincadas, sempre atentando à arte mais do que à praticidade.

Obviamente grande parte do agrado que sinto pelo filme está em seu elenco praticamente perfeito. Kevin Costner antes de ter arruinado sua carreira com seus preciosismos esteve ótimo como um agente federal absolutamente humano, passível de erros. A experiência de Sean Connery fez de seu personagem uma presença sempre impressionante em tela. Suas cenas são sempre densas, e o fato de ele nunca se levar a sério faz de sua figura alguém com grandes possibilidades e incrivelmente interessante. Um Andy Garcia também em início de carreira serviu como um perfeito complemento à dupla principal. Finalmente, o experiente Charles Martin Smith (foi um dos garotos de American Graffiti), servindo principalmente como a peça mais cômica do grupo – o contabilista que pega em armas – fechou o elenco principal com chave-de-ouro. Realmente, um elenco tão sólido, tão unido, não é mais muito visto assim em Hollywood atualmente.

Falando do elenco até o momento, sequer comentei sobre sua principal peça: Robert De Niro. O ator proporciona uma de suas grandes performances da carreira com uma representação embasbacante de Al Capone. O vilão sarcástico, cruel e arrogante ganha a cena sempre que aparece em tela. Infelizmente, ele funciona apenas como um plano de fundo para os heróis do filme, suas cenas geralmente são rápidas, mas, puxa, elas fazem valer cada segundo. De Niro não tem tanto tempo no filme como em O Poderoso Chefão - Parte II ou Os Bons Companheiros, mas não está menos digno do que nesses papéis. Com uma maquiagem inspirada (perdeu parte do cabelo), a dedicação do ator foi tão perfeccionista que ele insistiu em utilizar o mesmo tipo de roupa de baixo que Al Capone costumava utilizar na vida real, ainda que, em nenhum momento, ela apareça no filme.

Deixando agora um pouco o elenco para trás, falemos sobre a parte técnica. Este ou qualquer outro não seria um artigo completo sobre Os Intocáveis se não fosse dedicado pelo menos um parágrafo completo para uma das cenas que considero estar entre as cinco melhores da história do cinema. A homenagem de Brian De Palma ao filme O Encouraçado Potemkin. Recentemente, meu amigo Rodrigo escreveu uma belíssima crítica sobre o filme, vale a pena lê-la e, principalmente, correr para as locadoras atrás do filme. Os Intocáveis fica muito melhor entendendo essa referência, embora seja totalmente compreensível sem se ter conhecimento da mesma. A cena da escadaria na estação ferroviária, onde os personagens de Costner e Garcia aguardam a chegada do livreiro de Al Capone (que está prestes a ser executado pelos seus comparsas) é – com o perdão da palavra – um orgasmo técnico do diretor. Planos, utilização da câmera lenta, utilização do som, ritmo... se o espectador estiver “dentro” do filme naquele momento, ele concordará comigo, posso garantir. Afinal, vale uma frase-clichê aqui: é para isso [também] que o cinema existe!

Aspectos técnicos mais comuns também são um bom destaque do filme. Principalmente a fotografia e a trilha sonora. O filme conta com uma boa variação de cenas entre uma Chicago suja à noite e boas cenas diurnas. Ennio Morricone (sim, ele mesmo, o dono da canção de Três Homens em Conflito – genial) fez todo o trabalho para as músicas originais. Elas vêm cheias de tensão e combinam perfeitamente com a montagem aguçada do filme. A montagem, aliás, é fenomenal, e tem como seu ponto forte a cena já supracitada, porém há outras cenas menores que também são pequenas pérolas. O estilo de De Palma é sempre marcante, sobretudo quando ele investe em boas tomadas de longos travellings. Ele faz um bocado disso aqui. É sempre agradável!

Os Intocáveis é um trabalho que para muitos bons diretores seria o filme de suas vidas. Mas De Palma possui tanto apuro técnico que tem outros filmes tão bons ou pelo menos quase tão bons quanto este: a refilmagem de Scarface e, claro, o quase não-visto O Pagamento Final. Alguns deslizes não deveriam trazer tanto ódio para cima de alguém tão bom quanto o diretor, entusiasta de primeira linha de Hitchcock – e suas homenagens (alguns chamam de cópias) ao mestre do suspense são sempre ótimas. Mas, enfim, para finalizar vale destacar que esse filme deveria ser obrigatório para todos que se consideram amantes do cinema. Há muita coisa nele que você não vê em qualquer outro lugar.

Uma curiosidade: há rumores, já longínquos, de um novo filme sobre os intocáveis e sobre Al Capone sob a direção de Brian de Palma. Sabendo do bom gosto do diretor, podemos ter a certeza de que não será um trabalho gratuito. Assim como Coppola superou a si mesmo lançando O Poderoso Chefão – Parte II, quem sabe não vejamos um novo milagre acontecer em Hollywood: uma seqüência de uma obra considerada prima ser superior ao seu filme original (O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei é outro exemplo dessa situação rara). Definitivamente, vale a pena esperar!

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