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Críticas

Cineplayers

Eastwood surpreende ao focar a vida particular de J. Edgar Hoover, e não sua importância no cenário político.

6,5

Clint Eastwood nunca foi de esconder seu patriotismo nato e seu amor declarado aos códigos de moral norte americanos. Republicano engajado, muitas vezes deixou sua visão política interferir em seu cinema – algumas vezes com sucesso, outras nem tanto. Desde sua época na direção de faroestes puramente nacionalistas até o seu cinema mais recente, essa visão sempre esteve latente, em alguns casos em maior dose do que em outros. E nesse meio todo sempre houve personagens marcados por características como solidão, isolamento e infelicidade por trás de uma imagem externa de aparente sucesso e solidez. No caso de J. Edgar (idem, 2011), seu trabalho mais recente, essas constantes do cinema de Clint aparecem de uma forma ou de outra, mas o interessante é notar as prioridades estabelecidas na hora de contar a história de uma das personalidades mais influentes na política americana.

J. Edgar Hoover foi o primeiro diretor do FBI e se manteve neste cargo durante inacreditáveis 48 anos, dos quais passou a maior parte do tempo envolvido em escândalos e em grandes feitos. Foi responsável pela reestruturação da agência policial e por transformá-la na maior e mais influente do mundo. Entre outras atividades, foi um dos maiores caçadores de comunistas e espiões na época da Segunda Guerra Mundial, combateu os famosos gângsteres John Dillinger e Baby Face, e participou na solução do famoso caso do rapto do filho de Charles Lindberg. Pessoalmente, mantinha um caso homossexual com seu companheiro de trabalho Clyde Tolson e sempre procurou a aprovação de sua mãe antes de tomar qualquer decisão importante.

Considerando esse currículo, podemos imaginar o prato cheio que a história de vida de Hoover valeria em um trabalho de Clint Eastwood. Mas, curiosamente, o cineasta acertou mais quando decidiu investir na exposição da vida pessoal de Hoover do que na hora de explicar a importância de seu nome como figura política. Depois de assistir a J. Edgar Hoover, a sensação que se tem é de ter conhecido a fundo todos os temores, inseguranças e vontades deste homem, e só. O lado político, policial e seu significado dentro do contexto histórico se limitam apenas ao que todos já sabem. Isso pode não ser propriamente um defeito, mas definitivamente surpreende, dado o diretor em questão.

Narrado através de um vai e vem no tempo, todos os acontecimentos do filme são mostrados através do ponto de vista de Hoover – talvez por conta disso o teor particular de sua vida tenha ficado em tamanha evidência, em detrimento da abordagem de sua personalidade política. A ideia é interessante se formos deixados levar pelo texto, mas a técnica de montagem faz tudo parecer fragmentado e fora de sintonia. Passagens de sua vida na adolescência e infância intercaladas com seus momentos de maturidade poderiam resultar em algum tipo de ligação interessante, que nos fizesse entender algumas atitudes tomadas por ele em sua fase adulta como resultantes da influência de suas experiências passadas. No entanto, não há essa conexão entre as distintas fases de sua jornada, de modo que cada cena individual pode até envolver, mas o trabalho como um todo parece desconexo e a escolha da narrativa soa gratuita e sem propósito.

Leonardo DiCaprio, depois de ter sido indicado ao Oscar por outro papel biográfico em O Aviador (The Aviator, 2004), encarna Hoover com a mesma dedicação, mas sem tanta eficiência. A maquiagem que deveria apenas enriquecer sua atuação na verdade se torna um empecilho. Pesada e excessiva, ela tampa o rosto do ator e o faz parecer caricatural, enquanto o próprio DiCaprio exagera em algumas passagens no timbre de voz e no anseio de parecer natural. Não apenas a maquiagem, mas toda a direção de arte do filme é excessivamente caprichada, quase teatral e inverossímil. Se não fosse a fotografia muitas vezes soturna, tudo pareceria irritantemente simétrico e bonitinho demais.

Por outro lado, a direção de Eastwood é competente, pelo menos no que diz respeito a seu foco, que é mostrar o homem por trás da lenda. Sem exageros, o diretor aborda com muita sutileza a homossexualidade enrustida de Hoover, assim como sua relação afetiva velada com Tolson. Seu relacionamento com a mãe (vivida por Judi Dench) também é muito bem retratado, resultando na maioria dos melhores momentos do filme. No fim das contas, a escolha curiosa de Clint em não se enveredar muito para seu cinema puramente nacionalista resultou em um trabalho ao menos diferente, embora seja óbvia a atenuação em volta de certos temas que deveriam ser mais bem dissecados.

Dentro da filmografia recente de Eastwood, J. Edgar parece um filme pequeno e até mesmo menos corajoso que outros, mas não a ponto de soar desnecessário. Talvez inofensivo, mas certamente relevante em uma época em que os Estados Unidos andam carecendo de imagens políticas importantes aos quais se apegar. Em um país que sempre procurou heróis nas figuras políticas, os tempos atuais andam escassos nesse sentido (e em muitos outros). Podemos notar então a real intenção de Eastwood por trás deste trabalho: já que não há heróis americanos atuais para confortar seu país, que sempre exista o cinema e toda sua mágica para trazer de volta à vida, mesmo que só por algumas horas, pessoas que, mesmo errantes e imperfeitas, fizeram alguma diferença positiva para sua amada nação.

Comentários (10)

Victor Ramos | segunda-feira, 30 de Janeiro de 2012 - 05:20

Sério essa maquiagem tá horrível, p q p...

Leo | quarta-feira, 01 de Fevereiro de 2012 - 02:12

quase dormi 😏

Wellington Lima | domingo, 10 de Março de 2013 - 19:36

A maquiagem que ficou mais ridicula foi a do namorado do J. Edgar.

Wellington Pinheiro Silva | sábado, 23 de Março de 2013 - 12:43

Ótima crítica, gostei do filme e como o Heitor disse o filme realmente se sai melhor quando aborda a vida pessoal do personagem. A maquiagem é horrível mesmo, conseguiram deixar a Naomi um caco quando sua personagem está mais velha, mas como disse o Wellington Lima, a maquiagem do Armie Hammer é a mais sofrível, não dá pra discenir nenhuma expressão que ele faça, seja de dor ou alegria, mas o filme valeu a pena, pelo menos eu achei.😉

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