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Críticas

Cineplayers

A vida do artista.

8,5
A eterna discussão sobre o papel do artista no mundo e sobre a lógica cíclica da arte que imita a vida, que imita a arte, ganha em Já Visto, Jamais Visto (idem, 2014) um contorno mais interessante do que nunca. Andrea Tonacci, um italiano radicado no Brasil e um dos maiores nomes de nosso cinema, volta depois de um hiato de oito anos para novamente propor uma experiência de extrema subversão artística, como fez também no longa Bang Bang (idem, 1971), um dos filmes-síntese do cinema marginal brasileiro.

Seu novo filme já vinha correndo Brasil afora em festivais, como o de Tiradentes no ano passado, e agora chega ao circuito comercial de São Paulo. Apesar de manter sua identidade estético-narrativa ainda muito radical e de complexa assimilação, o diretor ao mesmo tempo se coloca vulnerável como nunca antes e se resume a uma proposta muito intimista e singela: falar de si, de sua vida, suas memórias, lembranças, sonhos. Qual é, afinal, a função de um artista, senão antes de tudo expor sua visão do mundo e ao mundo? Para isso, é preciso um filtro pessoal e a proposta de Já Visto, Jamais Visto é justamente cadenciar uma montagem de recortes sobre a vida de Tonacci, um apanhado de imagens de arquivo, trechos de filmes, fotografias, vídeos caseiros, e registros da viagem que fez mundo afora ao lado de seu filho pequeno nos anos 1970.

O valor do filme se duplica a partir da aparente contradição exposta no título. Enquanto aquelas imagens possuem um significado todo particular e pessoal para o realizador, elas ganham outro contorno e outro valor quando expostas em uma tela de cinema para um público de desconhecidos. Ali aquelas imagens constroem uma ficção, enquanto para Tonacci são fragmentos de sua realidade particular. O filme visto por ele, jamais será o mesmo visto por nós, e vice-versa.

Por meio dessa intrigante proposta Já Visto, Jamais Visto busca na essência do cinema o seu apoio de base, evocando seu valor na perpetuação das memórias, na exploração e manipulação do tempo e do espaço, na capacidade de prolongar e reviver momentos, no poder de se transformar quando diante de um novo olhar subjetivo, e na função de reafirmar o lugar do artista no mundo através de seus sentimentos mais íntimos, formando uma harmoniosa convivência entre arte e vida.

Em Já Visto, Jamais Visto Tonacci ama o cinema da mesma forma como Alain Resnais, Federico Fellini, David Lynch, Dziga Vertov, Eduardo Coutinho e tantos outros mestres também amaram, e assim como o próprio amou nos anos 1970 em Bang Bang – como uma forma de deixar um pedacinho de si e de sua vida como legado, um conjunto de frames que continuará a adquirir novos valores com o passar dos anos, mas que no fundo não passa de um pouco de seu coração que se mantém batendo eternamente a 24 quadros por segundo.

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