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Críticas

Cineplayers

Um jogo onde realmente só se faz imitar; as intenções e as produções de sempre.

3,5

Anualmente os cinemas do mundo são assolados por pelo menos uma "adaptação de biografia sobre alguém verídico importante ou não que tenha vencido sobre as adversidades e se tornado um exemplo para os seus e para o mundo". A empilhar: Gandhi, Um Grito de Liberdade, Uma Mente Brilhante, Elizabeth, O Discurso do Rei, Philomena, Clube de Compras Dallas etc; de vez em quando, aparecem até umas aves raras de plumagem mais consistente que os demais, tais como JFK, A Lista de Schindler, O Informante, A Rainha, Milk. Acredite, na grande maioria das vezes (eu diria 95%) esses filmes tem uma meta focada: as premiações de fim de ano que pavimentam o caminho até o tão famigerado Oscar. Há praticamente 20 anos, um homem é personagem-chave dessa corrida de prestígio e milhões, e graças a ele se deve "agradecer" pela maioria dos filmes da primeira categoria citada: Harvey Weinstein. Sem ele, hoje a corrida do ouro seria diferente... Melhor?

Essas biografias feitas a toque de caixa para agradar ao público médio (ou mais precisamente ao mediano 'comportamento de manada' que elimina os riscos e privilegia a mesmice) tem visto seus níveis de qualidade cair ano a ano, e não parece ter nenhum propósito de voltar a subir, já que os resultados finais são os mesmos com rebuscamento estético ou feito nas coxas: se a trama for "tocante", o biografado tiver qualquer resquício de carisma e sua jornada lhe impor desafios, é o que basta. Triste é constatar que, lá atrás, Weinstein tinha um senso apurado na hora de distribuir suas produções e não buscava o lugar-comum que classificou sua trajetória de "sucesso", quando estabelecido como mais que um mero distribuidor; lembrar de O Piano, Traídos pelo Desejo e Pulp Fiction é observar as bases onde se fundaram a Miramax, distribuidora americana que praticamente levou o universo Indie até a categoria de fenômenos de aceitação, mas que também se pasteurizou muito antes do fim.

Já que não se mexe em time que está ganhando, esse ano não tivemos um desses exemplares, mas três; graças a Deus, ao menos um desses morreu na praia (Invencível), os outros dois foram mesmo para as cabeças. Mas se há ainda algum brilho guardado em A Teoria de Tudo aqui e ali, o mesmo não se pode dizer da nova empreitada de tio Weinstein no Reino Unido, de onde ele trouxe esse desarranjado título, que traz no nome uma piada pronta.

As questões que levam todos esses filmes a não investir no cuidado e no apuro (dramático ou imagético) explodem aqui, na correria que se observa o produto final acabado e cheio de problemas e buracos. Escalou-se um diretor que causou algum burburinho com seu filme anterior (Morten Tyldum, cujo Headhunters até aparentava personalidade), e dele foi retirado toda a capacidade artística para chegar ao sumo do que interessa e convence: um herói de guerra que não se pode reconhecer vilipendiado injustamente. A partir desse mote irresistível, quem não se seduziria pelo todo? Eu não caio mais, há muitos anos. Mas quem sou eu perto de 7 indicações ao careca dourado, por mais absurdas que cada uma delas sejam?

Podem acusar a crítica de ser feita à margem de reconhecimento posterior e que a qualidade do produto deveria ser lida independente disso, no que concordo plenamente... Caso o produto não tivesse sido todo ele justificado apenas para esses fins asquerosos. Sinto pena que uma história rica como a de Alan Turing tenha sido explorada para uma finalidade tão cretina, que não soube (e provavelmente também não quis) colocar todas as nuances de personalidade dessa atormentada figura. Pra quem não sabe, Turing foi um matemático que se apresentou ao governo britânico disposto a decodificar a Enigma, máquina usada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial com o propósito de enviar mensagens criptografadas entre seus núcleos e, assim, despistar rastreamentos dos aliados. O brilhantismo de Turing venceu a Enigma, mas não venceu o conservadorismo britânico, que anos depois viria a perseguir esse mesmo homem e acusá-lo de práticas homossexuais, um crime e uma vergonha na época.

Tudo isso no filme é praticamente apresentado dessa mesma forma, o mais resumido e sem humanidade possível, praticamente tópicos acessados de forma obrigatória por um roteiro fraco e cheio de junções frouxas, além das habituais frases clichês motivacionais e pseudo emocionantes, além de não aprofundar questão nenhuma da vida tão cheia de viezes de Turing, deixando tudo na categoria das pinceladas. A boa trilha de Alexander Desplat não encontra respaldo nem na direção burocrática, nem na fotografia anódina. Já a montagem é um caso de pavor muito específico, que bagunça linhas temporais e sacode três tempos narrativos sem qualquer ordem ou estrutura decente; saber que é o mesmo William Goldenberg que entregou um trabalho tão excelente em Argo só prova como aparentemente não deveriam haver em quaisquer diretrizes no projeto, tanto nos sets quanto na pós produção. O roteiro trata também de jogar fora inúmeros coadjuvantes interessantes que poderiam render maravilhas, diminuindo-os a linhas gerais sem qualquer desenvolvimento posterior. Sobra Benedict Cumberbatch à frente de tudo como o biografado que, carente de mão firme, sai destrambelhado ora repetindo trejeitos, ora inaugurando novas facetas de exagero; não consigo nem culpá-lo.

No fim das contas, esse é um filme já visto inúmeras vezes em sua displicência e falta de cuidado, mais um capítulo triste do rolo compressor ávido por trofeus e da grana que se arrecada com eles. O mais assustador é perceber que não apenas o grosso da comunidade cinematográfico cai nessa armadilha, como também o público final que vê  apenas os fatos extraordinários e não percebe que tudo ao redor é bem ordinário.

Comentários (10)

Caio Henrique | sábado, 31 de Janeiro de 2015 - 18:56

Acho que fui um dos poucos que gostou do filme. Concordo em parte pelo exposto tanto pela crítica quanto pelos parceiros logo abaixo, mas ainda acho uma experiência válida pela força da história e pelo Cumberbath que, na minha opinião, está muito bem.

Luís F. Beloto Cabral | domingo, 08 de Fevereiro de 2015 - 23:49

"Acho que fui um dos poucos que gostou do filme. Concordo em parte pelo exposto tanto pela crítica quanto pelos parceiros logo abaixo, mas ainda acho uma experiência válida pela força da história e pelo Cumberbath que, na minha opinião, está muito bem." [2]

É um filme bem picareta mas consegue transmitir bem a sua mensagem assim como contar a sua história - fora outras coisas bacanas no meio do caminho...

Vitor Ap. Pereira da Costa | domingo, 15 de Fevereiro de 2015 - 14:48

Crítica muito bem desenvolvida pelo Carbone, expondo uma visão ampla da realidade mimetizada das biografias filmadas. O clichê do clichê, e é frustrante constatar essa tendência covarde que visa somente às premiações, optando por um caminho fácil e conhecido.
Assim como o Pilau, penso que, escondido nesse excesso de convencionalismo e superficialismo, há um filme muito interessante ali, só que não souberam encontrar.
"O filme da imitação", um título mais apropriado, penso eu.

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