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Críticas

Cineplayers

Maior, mais ambicioso e mais bem resolvido que o filme original.

7,0

Confesso que nunca fui contagiado pela febre Jogos Vorazes. Tentei, certa vez, ler o primeiro livro da série de Suzanne Collins, mas desisti logo nas primeiras páginas. Sua adaptação cinematográfica, lançada em 2010, igualmente falhou no objetivo de despertar o meu interesse: apesar de algumas boas ideias e de funcionar como entretenimento juvenil, Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012) era um filme bastante irregular, prejudicado por uma direção afetada e incapaz de explorar de forma inteligente as possiblidades oferecidas pela sua premissa. Dá para se ter uma ideia do tamanho da minha surpresa, portanto, quando, ao final de Jogos Vorazes: Em Chamas (The Hunger Games: Catching Fire, 2013), encontrei-me perpassado por um sentimento estranho, quase inimaginável até algumas horas antes: a vontade de ver o próximo filme para acompanhar o desenrolar daquela história e descobrir o destino daqueles personagens.

Indiscutivelmente maior, mais ambicioso e mais bem resolvido do que o filme original, Em Chamas tem como seu primeiro grande mérito não repetir os acontecimentos do anterior, o que ocorre em boa parte das sequências que chegam aos cinemas atualmente. Sim, a trama exige um pouco da boa vontade do espectador ao criar uma desculpa bastante forçada para a realização de novos jogos, mas, em geral, esta continuação aumenta o escopo da história previamente vista: se no primeiro tudo girava em torno da competição do título, aqui o foco é na resposta do povo à opressão do governo de Panem e no início da revolução que (ao que tudo indica) ocorrerá nos próximos filmes. Katniss Everdeen, agora, não é apenas uma mera participante dos jogos que ganhou a simpatia do público, mas um símbolo de esperança e de rebeldia em sua luta contra o status quo.

Com isso, alguns dos temas que, na produção original, haviam sido deixados de lado em detrimento da ação e da tola historinha de amor, acabam ganhando mais tempo para serem desenvolvidos. Em Chamas trabalha melhor e com mais calma a ideia do futuro distópico, plantando as sementes para a terceira parte. Obviamente, não se deve esperar a visão profunda e reflexiva vista em obras como Blade Runner – O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982), 1984 (idem, 1984) ou Filhos da Esperança (Children of Men, 2006). Querendo ou não, estamos falando de um filme extremamente comercial e voltado ao público fast-food, onde não há sangue, a violência é leve e as grandes questões são suavizadas. Ainda assim, não deixa de ser interessante ver temas sérios sendo abordados em obras dessa natureza – há, ainda, além da óbvia trama sobre a relação entre o governo e o povo, uma clara crítica à invasão da privacidade e à cultura de veneração das celebridades tão em voga nos dias de hoje.

O que se vê, portanto, não é uma sequência que se limita a andar em círculos, mas sim uma que prefere andar para frente, expandindo o conceito inicialmente apresentado. Outro bom exemplo disso é a forma como o roteiro (escrito por Simon Beaufoy e Michael Arndt) trata a protagonista. Os acontecimentos do primeiro filme não passaram em branco. A Katniss de Em Chamas é uma pessoa traumatizada com tudo o que vivenciou, que encontra dificuldades em seguir com sua vida normal – o que se torna ainda pior devido ao fato de ser obrigada a sair em turnê como propaganda do governo. Ainda assim, os realizadores tiveram o cuidado de não desvirtuar a protagonista: Katniss segue uma personagem forte, segura e corajosa, a ponto de desafiar o próprio presidente. É aquela rebelde honrada e com valores que o cinema e o público tanto gostam – não à toa, ela é a grande força e o principal apelo de toda a série.

E poucas atrizes jovens da atualidade têm a capacidade de Jennifer Lawrence de transformar uma personagem pop em alguém tridimensional, até mesmo complexo. Com a segurança de quem possui um Oscar na estante aos 23 anos, a atriz mais uma vez combina carisma, talento e grande presença de cena, praticamente carregando o filme nas costas. Em Chamas perde muito quando Katniss não está na tela, algo que, felizmente, pouco ocorre. Lawrence tem uma capacidade rara de dizer muito com um simples olhar e transmite, muitas vezes sem palavras, o conflito interno de uma jovem desafiadora, que precisa ser forte, mas ao mesmo tempo sofre com tudo o que passou e ainda não compreende realmente a grandeza do cenário no qual foi inserida.

É uma pena, no entanto, que os demais personagens empalideçam diante da forte presença de Lawrence/Katniss. Ainda que Phillip Seymour Hoffman, Donald Sutherland e Jena Malone façam o possível em suas cenas, o filme simplesmente não dá a eles espaço suficiente para um destaque maior. Destino pior têm os personagens de Woody Harrelson, Stanley Tucci, Elizabeth Banks e Jeffrey Wright, que jamais passam de meros acessórios de roteiro, desperdiçando o talento de seus intérpretes. O maior problema, porém, é o fraco Josh Hutcherson, que não consegue transformar seu Peeta em alguém à altura da protagonista, enfraquecendo a dinâmica entre os dois. Como a plateia não compreende os motivos que levariam Katniss a se apaixonar por ele, o romance soa raso e bobo, ao invés de um relacionamento crível e capaz de gerar alguma emoção. Aliás, qual o verdadeiro sentimento dela por Peeta? É amor? Amizade? Proteção? O filme falha em esclarecer a questão, prejudicando toda a subtrama do triângulo amoroso.

Felizmente, os roteiristas e o diretor Francis Lawrence (que não possui qualquer parentesco com a protagonista) são inteligentes o bastante para não transformar Em Chamas em uma história tola e superficial de amor adolescente aos moldes de Crepúsculo (Twilight, 2008), preferindo dar destaque ao bem definido arco dramático de Katniss, que precisa se transformar de mocinha traumatizada em líder de uma verdadeira revolução. Por esse motivo, o final em aberto da produção é perfeitamente justificável: a jornada da personagem neste momento da história foi completa, servindo como ponte para os dois filmes que encerrarão a série (e a simples mudança no olhar de Jennifer Lawrence na última cena já mostra essa transformação, além de ser mais uma prova do talento da atriz).

Outro ponto a favor de Em Chamas na comparação com seu antecessor é o trabalho de Francis Lawrence. Uma dos aspectos mais incômodos de Jogos Vorazes era a direção excessiva de Gary Ross, que apostava na câmera tremida e no excesso de cortes sem qualquer necessidade disso. Lawrence, felizmente, mostra-se mais contido e consciente do material que tem em mãos, preferindo adotar um estilo mais estático, no qual é possível para o espectador realmente acompanhar aquilo que está acontecendo. Mais do que isso, suas opções narrativas igualmente se revelam acertadas, como no primeiro ato focado na história e nos personagens, o que cria o lastro necessário para a plateia se interessar e se importar com tudo aquilo que acontece depois.

Embora seja eficiente em termos gerais, especialmente no que concerne à construção de Katniss, o roteiro sofre com outros problemas além dos já citados anteriormente. As duas horas de meia de duração, por exemplo, não se mostram necessárias, uma vez que diversas cenas e subtramas poderiam ser cortadas sem danos ao resultado geral (é o caso, por exemplo, da ideia da gravidez, que desaparece de forma tão abrupta quanto surgiu, sem gerar qualquer consequência). O tempo ganho com estes cortes poderia ser gasto no final da produção: o clímax e o epílogo são confusos, apressados, como se os realizadores tentassem resolver tudo em duas ou três cenas.

Ainda assim, Em Chamas é um entretenimento eficiente, capaz de desenvolver melhor as ideias do filme original. Definitivamente, é um avanço em relação a Jogos Vorazes, atingindo sem grandes problemas seus dois principais objetivos: fazer da transformação de Katniss algo convincente e deixar o espectador ansioso pelo próximo capítulo da série.

Aliás, falta muito para a estreia?

Comentários (11)

Raphael da Silveira Leite Miguel | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 18:48

Ví no último fim de semana e também achei bem melhor que o seu antecessor. Lawrence realmente carrega o filme nas costas em grande parte do tempo, aliás, pra mim é a musa da atualidade, esbanja sensualidade e poder de atuação, e que atuação, arrisco dizer que se o Oscar não fosse almofadinha demais, poderia estar sendo cotada. Um dos melhores filmes de 2013!

Vinícius Aranha | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 22:47

Agora sim, eu entendi o auê.

Alexandre Koball | quarta-feira, 04 de Dezembro de 2013 - 07:31

A vontade de assistir ao próximo é só uma reação química do cérebro por este deixar o espectador em um ponto crítico da trama. Este segundo filme é igual ao primeiro, basicamente.

Flavia Cristina | terça-feira, 04 de Fevereiro de 2014 - 22:16

Concordo em alguns pontos com a crítica, mas achei o filme bom da metade pro fim. O início muito parecido com o anterior, isso não em deixou muito interessada, mas só sei que valeu a pena esperar, pois sabia que algo que tem Jennifer Lawrence no elenco poderia ser ao menos bom. O que atrapalha é o rapaz um Robert Pattinson piorado. Terrível!!!! O filme tem um plano de fundo político aproveitável, mas como é de temática jovem, infelizmente não se pode aprofundar muito, mas vale a pena como entretenimento só pra ver a atuação mais uma vez fantástica de Lawrence, que parece que tudo que toca, anda virando ouro. 😁

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