Saltar para o conteúdo

Judy: Muito Além do Arco-Íris

(Judy, 2019)
5,1
Média
66 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Muito longe do arco-íris

2,0

A indústria hollywoodiana vive de padrões. Antes dos blockbusters de verão, das comédias românticas dos anos 1990, dos anos de ouro do faroeste e do filme noir, já existiam as biografias. E também não surgiu nessa década uma categoria específica de biografia, gênero esse que já não se ressente de boa reputação (por culpa da própria indústria e de como esse modelo de cinema é tratado em grande parte das vezes como uma fórmula), que são os retratos muito deficientes de qualidade produzidos exclusivamente para que um jogo de 'copie e cole' seja criado entre ator e biografado, e desse jogo desembocar na temporada de prêmios. "olha como são parecidos, ele/ela incorporou direitinho"

Para cada Milk, dez filmes como A Dama de Ferro surgem por ano; para cada inovação narrativa de Steve Jobs, uma pá de Ray soterra qualquer chance de salvar as biografias do escrutínio. Se no ano passado Bohemian Rhapsody encantou as plateias de fãs da música do Queen sem necessariamente fazer um bom cinema (ou apenas cinema), nessa temporada cabe a Judy capitanear os corações e mentes para um filme repleto de problemas, e que tenta escondê-los por trás das lentes da idolatria. Em busca de uma reprodução exata a respeito de um personagem, cria-se uma respeitabilidade para além do próprio, em filmes que nem tentam se resolver enquanto cinema.

O que seria de uma biografia qualquer sem o seu eixo central? Judy não consegue sobreviver a simples recriação de eventos da vida da histórica estrela, que é só ao que o filme se propõe. Não tem um recorte para além do sensacionalismo de ver essa mulher, uma gigante da era de ouro, destruída cena a cena. Óbvio que esse era o período de maior dramaticidade da vida de Judy Garland, e o filme escolhe reservar pra ela um lugar de degradação, sem honrar sua História. A título de exibir um rosário de atribulações, o filme resume a estrela de O Mágico de Oz a uma figura triste, lutando contra a depressão, os vícios, o ocaso e relega a ela uma trajetória cujo brilho se resume a decadência.

Com escolhas narrativas repetitivas e enfadonhas, que tentam localizar a estrela antes da imortal Dorothy em flashbacks de gosto duvidoso, um roteiro equivocado acrescenta e subtrai personagens ao bel prazer inclusive mudando as personalidades de um ou outro e destruindo até a coerência, o cineasta Rupert Goold não apresenta sequer uma centelha de propriedade em sua criação, um produto muito específico produzido com valores muito diferentes do de contar bem uma história. A falta de opulência da produção não justificam um roteiro tão imerso em problemas estruturais, que repete fórmulas que já deram errado em similares ou o esperdício de atores do porte de Michael Gambon.

Pra finalizar, o motivo pelo qual esse tipo de filme é feito e o motivo pelo qual ele será visto: sim, Renée Zellweger merece seu segundo Oscar - que deveria ser o primeiro - e independe o fato dela estar ou não melhor que suas concorrentes. Sua entrega, sua corporalidade, até o fato de ter adquirido a compleição física necessária àquela mulher são louváveis, a tentativa de reproduzir o tônus vocal de Judy é motivo de impressionar, ela tenta se livrar dos gestos protocolares que são suas marcas (nem sempre consegue), mas acima disso ela se esforça e alcança um lugar de brilho praticamente sozinha; a tão falada cena final, e suas últimas frases, compõem um trabalho acurado na união da emoção com um propósito de especialização do lugar de intérprete.

Sendo esse um filme que faz parte de uma seara exclusivamente produzida para um fim nada cinematográfico (a outorga de laureas) e que dele não consegue criar vida própria como outros vez por outra conseguem, não devemos nos sentir melindrados por abordar em texto crítico a área que interessa ao produto. Na ausência de predicados conseguidos na base do talento de seus integrantes, Judy é o veículo de retorno à ribalta de Renée Zellweger. Que a vida de uma das maiores figuras da história do cinema seja refém exclusivamente de um processo de enaltecer outra atriz, é um dado triste e ligeiramente revoltante desse compartimento industrial da máquina de desfazer sonhos que a própria Judy Garland testemunhou, e nela sucumbiu.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

Comentários (0)

Faça login para comentar.