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Críticas

Cineplayers

O outro lado do jogo.

5,0
Em um cenário de nostalgia exacerbada e cada vez maior, que alimenta o surgimento de fenômenos como a série Stranger Things, a volta ao passado é quase sempre uma garantia de sucesso. Por isso Hollywood tem se mostrado antenada em refilmagens, filmes prequel, spin-offs, e qualquer outra maneira de conexão com títulos e marcas que atraiam essa parcela saudosa do público e que ao mesmo tempo se apresentem para novas gerações. A ideia é unir o novo e o velho, repaginar um conceito aqui e outro ali, aproveitar as vantagens de tecnologias mais modernas para melhorar os efeitos, mas ao mesmo tempo manter o espírito das obras originais. O resultado é sempre incerto, pois embora essa fórmula de reavivamento seja praticamente a mesma, os filmes escolhidos nem sempre se encaixam nas expectativas dos tempos atuais. Aplicar o clássico de sessão da tarde Jumanji (idem, 1995) nesse cenário já esbarra de cara em um principal obstáculo: hoje os jogos de tabuleiro são objetos um tanto anacrônicos e sem muito apelo para com uma geração que cresceu na era dos videogames. 
A solução para uma continuação vinda 22 anos depois não poderia ser outra em Jumanji: Bem-Vindo à Selva (Jumanji: Welcome to the Jungle, 2017): dessa vez o jogo maldito vem no formato de um cartucho para ser jogado em um console estilo Nintendo 64, muito em alta na metade da década de 1990, onde o primeiro filme se encerra, e dai já se cria uma ponte com os videogames atuais. Não há mais os peões de tabuleiros, agora a experiência é muito mais física, de literal transporte do jogador para o universo do jogo através de avatares selecionáveis. Ao mesmo tempo, não temos mais as feras selvagens de Jumanji escapando do tabuleiro e invadindo nossa realidade – agora os jogadores são todos sugados para a selva. Uma vez dentro desse ambiente de inúmeros perigos, os quatro personagens são obrigados a encarnar no corpo de avatares com os quais não possuem nada em comum, uma opção narrativa inteligente para desenvolver o arco de cada um. Desse modo, o protagonista nerd outsider se transforma no herói e líder fortão, o atleta acaba como um zoólogo baixinho e sem muitas habilidades, a menina tímida vira uma habilidosa e sensual aventureira, enquanto a patricinha acaba como um cartógrafo gordinho e atrapalhado. 

A brincadeira que visa lidar com a linguagem dos videogames é quase sempre válida, ainda que não traga nada de novo. Há anos o cinema vem tentando encontrar uma forma de abordar o universo gamer por meio dos pontos em comum entre os dois, especialmente o fato de ambos simularem uma nova realidade com o máximo de recursos visuais possíveis. Se Avatar (idem, 2009), blockbuster absoluto do cinema dirigido por James Cameron, alcançou resultados pioneiros nesse campo, as adaptações diretas de Paul W. S. Anderson do jogo Resident Evil provaram ao longo de seis filmes que nem sempre esse diálogo é orgânico ou bem sucedido. Por mais que Jumanji não tenha pretensão alguma de inovar e se contente em ser apenas o blockbuster de verão que é, sua narrativa tem um bom timing e aproveitamento da linguagem gamer, sem se descaracterizar da condição de cinema. 

Ao mesmo tempo, não há qualquer interesse em se criar uma nova franquia, visto a pouca atenção dada àquele universo bizarro de uma selva habitada por animais maiores, mais perigosos e inteligentes do que o normal. Perde-se boa parte do mistério e encanto tétrico/lúdico do primeiro filme ao expor em demasia a lógica interior do jogo, e isso no fim não se justifica quando roteirista e diretor mal se preocupam com detalhes ou histórias sobre o novo universo. Poderia haver ali uma bela expansão, mas no fim sobra apenas a sensação de um filme caça-níquel de verão, como tantos outros que vem aos montes todo ano. Mas o que de fato sabota toda a iniciativa a um ponto de quase matar o filme é o fundo moral explicitado em lições e frases de auto ajuda metralhadas a cada nova cena. Os personagens chegam a rir isso em momentos de auto ironia, mas nunca o suficiente para dispersar aquele clima moralista de adolescentes que, no fundo, só buscam formas de se encaixar nos padrões sociais de normalidade e aceitação. 

Reunir gerações e agradar públicos diferentes por meio de um mesmo filme não é tarefa fácil, e é muito provável que o novo Jumanji funcione melhor com esse público novo do que com os fãs do original. Em um mundo em que a tecnologia vem se tornando cada vez mais essencial no cinema infanto-juvenil, há pouco espaço para aventuras de ar retrô ou jogos de tabuleiro/cartucho, de modo que o Jumanji que conquistou tantas crianças ao longo dos anos 1990 talvez deva permanecer no passado, enterrado na areia. 

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