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Críticas

Cineplayers

Tarantino volta a ser o diretor que todos conhecemos, nesta versão tudo toma um tom mais sério e conclusivo.

9,0

Se você é um daqueles que curtiu Kill Bill - Volume 1 somente pela porradaria, esqueça Kill Bill - Volume 2. Aqui Tarantino volta a ser o Tarantino de sempre, construindo personagens interessantes através de diálogos bem desenvolvidos e aprofundando tudo aquilo que no primeiro filme havia deixado gostinho na boca, porém sem a mesma dose de diversão. Se tudo era levado na brincadeira, se era extremamente divertido ver braços serem arrancados e litros e mais litros de sangue jorrarem daquele ferimento, agora tudo toma um tom mais sério e conclusivo. Ainda existem as referências, mas sem a brincadeira e o tom cômico que transformaram o primeiro filme em uma obra-prima.

Não que Kill Bill: Volume 2 decepcione. Ele está muito longe disso. Completa perfeitamente a jornada da Noiva, apenas enfocando menos a porradaria e desenvolvendo muito mais a história. Só que, com isso, o filme ficou mais lento e perdeu justamente um dos grandes méritos que tornaram o original extremamente divertido de se assistir. A simples história de vingança se tornou mais profunda e complexa, afinal, quem imaginaria que Tarantino estaria contando uma história de amor com seu Volume 1? Ninguém. E é justamente aí que Tarantino nos lembra quem é, ao surpreender a todo o momento com os rumos pelo qual vai nos guiando com seu novo episódio. Toda hora estamos sendo surpreendidos por caminhos menos óbvios da história. O que é de ótimo agrado.

Só que este modo resulta em alguns pequenos deslizes. Para começo de conversa, faltam ligações mais óbvias entre o primeiro e o segundo filme. A espada Hattori Hanzo, por exemplo, não decepa ninguém nesta segunda versão. Os combates são muito mais rápidos e, às vezes, sem graça. A única briga que realmente empolga e nos faz lembrar os grandes momentos do Volume 1 é entre Uma e Daryl, a loira do tapa olho, bem coreografada, empolgante, e com um final simplesmente fantástico e genial. Michael Madsen, que interpreta Budd, mostra-se o vilão mais mortal, uma vez que, mesmo bêbado e gordo, ainda dá um trabalho danado à Noiva, mesmo que o combate entre os dois não seja algo gritante com os demais.

O combate final com Bill pode ser visto de duas maneiras: péssimo, se levarmos em consideração a expectativa pela luta (não sua coreografia, e sim sua duração, simplesmente anti-climática, que termina quando está começando a esquentar e ficar bom o negócio), ou quanto ao aspecto poético (depois do diálogo, o modo como a luta termina combina perfeitamente com o coração partido que os personagens estão). Talvez, a primeira vez em que Tarantino tenha falhado em seu timming das cenas na história, uma vez que sempre considerei todas as suas obras perfeitas nesse aspecto: tudo acontecia no momento certo. Além da luta rápida demais, tem algumas cenas demoradas e, aqui sim, uns vinte e quarenta minutos poderiam ter sido facilmente cortados da versão final sem que isso comprometesse o resultado da obra – algo que, se pensarmos no Volume 1, já não seria possível.

Algumas falas no início, a conversa de Uma com o cafetão e a chegada de Uma à casa de Bill, por exemplo, são seqüências que poderiam ter sido encurtadas em pró do ritmo e até mesmo da junção dos dois filmes em um só, como era idéia de Tarantino no início. Ele queria lançar algo do tipo épico de antigamente, relembrando clássicos como Ben-Hur ou E o Vento Levou, com espaço para introduções, intervalos e tudo mais que uma grande obra de antigamente levava em sua composição. Se considerarmos que o Volume 1 tem apenas 1 hora e 40 minutos, aproximadamente, e o Volume 2 fosse encurtado para um tempo parecido, o filme caberia sim em um pouco mais de três horas. O argumento utilizado para a divisão, é que as pessoas não agüentariam 3 horas de gente sendo decepada e porradaria sem interrupção. Se a segunda parte fosse igual a primeira, eu concordaria na divisão (como até falei na minha análise anterior). Porém, como o filme tem uma mudança radical no seu desenvolvimento, foco e nos combates, seria perfeitamente cabível colocar ambos juntos sem que isso comprometesse o modo de se assistir a película.

Até o vai e vem pela história, característica mais marcante de Tarantino em seus filmes, aqui é praticamente nulo. Não tanto quanto em Jackie Brown, mas é uma narrativa praticamente linear, bem diferente dos outros trabalhos do diretor, inclusive o Volume 1, onde a história vai e vem em 100% do filme. Mesmo a lista de pessoas a serem mortas, que a Noiva fez durante um vôo no Volume 1, não dá as caras nessa continuação. Mas ao mesmo tempo que faltam essas identificações com o primeiro filme, há algumas grandes sacadas que ligam os fios da história. Conhecemos, por exemplo, como Daryl teve seu olho arrancado, e o melhor, com uma justificativa que poderia ter sido pensada por qualquer um que estivesse prestando uma dose a mais de atenção na história.

Do jeito que falei, pode parecer que Kill Bill - Volume 2 foi uma grande decepção. Não foi. Até agora, apenas destaquei as grandes diferenças entre os dois filmes, e citei algumas qualidades. Mas é mesmo em algumas seqüências que temos a certeza de que estamos tendo o prazer de assistir a um filme de Tarantino. O flashback, em que retornamos à cena do crime, demonstra um bom gosto incrível e uma profunda sensibilidade do autor ao criá-la: temos a câmera fechada no altar, parada. Ela começa a se afastar, passando por todos dentro da igreja, inclusive Bill. Vemos então a chegada dos 4 integrantes do clã, já fora da igreja, ainda no movimento constante e suave da câmera recuando. A câmera sobe lentamente agora, enquanto os integrantes entram, já com armas em punho. Enquadrando a igreja, vemos o piscar de luzes referentes às armas sendo disparadas dentro da igreja.

Mesmo sabendo o que ia acontecer, Tarantino criou um profundo clima de tensão e nervosismo detalhando o que acontecera segundos antes no local. É nessa seqüência também que finalmente Samuel L. Jackson, que havia protagonizado dois dos três filmes anteriores a Kill Bill do diretor, faz sua participação especial na trama. Talvez o momento mais interessante do filme inteiro seja quando Uma é enterrada viva. Tarantino consegue passar exatamente a sensação da personagem através de um corte na imagem e passa a trabalhar toda a construção da expectativa de cena através do som. Ouvimos a tensão de Uma, seu desespero, enquanto a tela está toda escura, com alguns lampejos da lanterna deixada com ela. Ficamos tensos e nervosos junto com a personagem. Um dos momentos mais marcantes da carreira de Tarantino.

Outro momento que é a cara de Tarantino é o diálogo entre a Noiva – que neste volume finalmente ganha um nome real - e Bill. Este, ao tentar explicar a Noiva sua essência assassina, cita uma interessante relação entre ela e o Super-Homem. Uma teoria inteligente, coerente e que caiu como uma luva para o momento. O tipo de diálogo que havia sido deixado de fora e dado lugar a pancadaria no Volume 1. Se não temos tanto vai e vem na história, pelo menos temos outros tipos de brincadeiras com a linguagem cinematográfica por parte de Tarantino. Mesmo que não tenham significado algum dentro do contexto, há mais uma vez uma divisão de telas para mostrar duas ações simultâneas (no primeiro filme, o recurso havia sido utilizado enquanto Daryl entrava no hospital assobiando uma melodia de Bernard Herrmann) e até mesmo uma mudança no aspecto da imagem, que passa de WideScreen para FullScreen por alguns poucos instantes.

Não é porque ficou um filme mais sério e profundo que ele não divirta e seja engraçado. O perfeito exemplo disso é o mestre que treinou Uma, o oriental de longas barbas brancas Pai Mei. O cara é simplesmente uma figura, tanto na arrogância em que trata seus discípulos quanto no modo em que mexe em sua barba quando faz uma pequena pausa em suas falas. Em suas cenas, a parte técnica recria justamente os tipos de filmes de samurai em que o personagem foi baseado, com closes rápidos nos rostos dos personagens, por exemplo, e uma fotografia fria e que deixa o ambiente com uma linda aparência de um filme de baixo orçamento. Apesar das referências estarem em menores números, no Volume 2 elas são mais óbvias. Muita gente deve ter percebido, por exemplo, que o começo do filme se refere inteiramente aos westerns que Tarantino costumava assistir. Principalmente relembrando Sérgio Leone, com seus super closes nos olhos dos personagens e um estilo de música que foge do padrão pop de Tarantino nestes momentos.

Se no Volume 1 a única personagem que teve um background aprofundado e estudado foi Lucy Liu, com a genial cena de anime, no Volume 2 todos os personagens são mais cuidados e tem suas devidas apresentações bem desenvolvidas. Eles ganham muita profundidade com isso, como por exemplo Budd, que chegamos inclusive a saber onde mora, em que trabalha e o que faz quando não está no serviço. Já Bill se mostra um personagem extremamente interessante, pois sabemos as suas motivações para o ‘ato masoquista’ que deu início a toda a aventura. Impressionantemente, Tarantino nos dá uma escolha por quem torcer, apresentando motivos, mesmo que não racionais, fortes para que Bill tenha feito sua chacina. Fica a nosso critério escolher se iremos torcer para que Uma consiga a sua vingança – já que a própria afirma, no início do filme com profunda convicção que dessa vez ela vai matar Bill – ou se iremos torcer pelo amargurado e surpreendentemente interessante Bill.

A impressão que se fica ao final de Kill Bill - Volume 2, é de que os filmes se completaram perfeitamente. Mesmo que tenha ficado um gostinho não correspondido de ‘quero mais’ quanto as pancadarias, principalmente pelo frustrante combate entre Uma e Bill, isso é apenas um fator a se acostumar, pois o filme toma rumos completamente diferentes das expectativas criadas pelo primeiro. O que é ótimo, visto que Tarantino deu mais vida à sua obra, mais razão e mais sentimento a tudo. Como o primeiro volume chegou as locadoras apenas em FullScreen, e o segundo já está anunciado como WideScreen, espero que, de duas uma: ou lancem a versão para o público já em Wide, ou que lancem posteriormente as duas edições em uma única especial dupla ou tripla, com extras e tudo mais. Sonhar não custa nada.

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