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Críticas

Cineplayers

Entre destroços de vidas fugazes, uma fuga torrencial

7,5

Com personagens em suspensão, Kill Me (idem, 2012) de Emily Atef conta uma história sobre o decesso no decurso de um encontro casual entre um fugitivo e uma camponesa. A ideia é discutir possibilidades ao passo que seus personagens se revelam enquanto uma estranha negociação é concluída. Nesse meio, após o filme ser convertido num refreado road movie, somos levados a questionar os princípios dos protagonistas a medida que seus anseios de fuga e auto-destruição se esclarecem. Sem melodramas usuais e obviedades dramáticas interessadas em condensar a narrativa num drama melancólico sobre a finitude, Atef entrega uma obra coesa e profunda, cada vez mais intrínseca e mais torrencial.

Um fugitivo consegue escapar de um presídio e, ferido, se esconde num cômodo numa fazenda. Lá reside uma adolescente com seus familiares num clima pouco amistoso, frio e distanciado. A diretora expõe em imagens obscuridades dessa relação deixando o espectador curioso sobre o motivo daquela inércia familiar. De antemão, no princípio, observamos a garota a beira de um precipício, a um passo do suicídio que tanto almeja, mas que não tem coragem de fazer. Ao se deparar com o fugitivo em casa, ela inesperadamente lhe propõe: ela lhe tira daquele lugar em segurança, levando-o até alguns caminhões de carga que atravessam o país, se, ao final, ele lhe empurrar de um precipício. Aceito. 

Seguiremos a partir desse ato duas evasões: em primeira instância Timo (Roeland Wiesnekker), fugindo da polícia alemã após ter sido condenado por assassinato; e Adele (Maria-Victoria Dragus) cuja vida inanimada não tem qualquer brilho ou cor – isso também é visto artisticamente através da fotografia que modela a menina com sombras. Sem progressos e assumindo um ofício que não diz respeito a si, comprometendo seu crescimento, a menina encontra auxílio na morte, pulsão natural de sua condição árdua. Uma bela cena, embora simples, que retrata com naturalidade a infância que não teve, quando se disfarça jogando futebol ao lado de outras crianças e percebe um entusiasmo ainda não experienciado, como uma criança privada de algum doce e repentinamente o provando, deliciando-se. As sombras se dissipam e a fotografia trabalha com cores mais quentes.

A narrativa se desenrola e várias coisas acontecem, acometendo os dois durante a jornada. Há ainda a beleza paisagística notável dos campos esverdeados e florestas na fronteira franco-alemã, garantindo um belo visual para a corrida entre a dupla que no segundo ato assume uma nova postura cênica dentro do filme: um seqüestro. Aí vem novos fundamentos na relação de ambos, confidentes e parceiros em detrimento dos outros. É preciso atravessar a fronteira e chegar até a França. E o trato entre Timo e Adele, será realizado? A perspectiva detalhada nas nuances dessa relação bem desenvolvida pelo roteiro parece direcionar a uma solução evidente. Dragus atua com passividade, ideal a sua personagem, enquanto Wiesnekker dá ferocidade temperamental a Timo com uma misteriosa altivez.  Ao final, um abismo diante à imensidão do mar. Simbolicamente demonstrado no filme, às vezes as pessoas esperam um empurrão. Isso é tudo que alguns precisam.

Visto na 36º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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