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Críticas

Cineplayers

Facetas mal exploradas.

5,0
Muito mais do que motivada pelos resultados de movimentos como o #MeToo e Time’s Up e as histórias de protagonismo feminino, esta revisitação à notória história de Lizzie Borden e o assassinato de seus pais igualmente se justifica pelo fascínio que o acontecido, que se tornou parte do imaginário folclórico estadunidense, ainda exerce devido às suas discussões e indagações centenárias sobre quem teria cometido o crime e tirado as vidas do casal Borden. Da mesma forma, Lizzie deseja, após versões para o cinema, TV e até mesmo teatro, abordar nesta suposta versão definitiva o relacionamento ocasionado pela aproximação entre Lizzie (Chloë Sevigny) e a empregada da família, Bridget (Kristen Stewart).

E quando uso a palavra “suposta”, é mais para refletir a forma como o diretor Craig William McNeill (de O Garoto Sombrio), a partir do roteiro de Bryce Kass, enxerga o potencial óbvio de sua história, seja na desenvoltura dramática, seja na aproximação da produção como um retrato pró-feminista (ou mesmo feminista, já que a própria Sevigny é uma das produtoras) de uma catarse protagonizada por duas mulheres. Para um fato histórico tão controverso, McNeill deixa boa parte da desenvoltura em suas mãos pelo meio do caminho, e condena Lizzie ao retrato superficial.

Ambientado numa Inglaterra sombria do século XIX, à beira dos assassinatos de ‘Jack, O Estripador’, a vontade em abordar o extremo machismo daquele momento e a reclusão da figura feminina em relação aos homens seria algo de se esperar, em especial pelo reforço que essa opção encontraria na figura de Lizzie, rebelde e inconformada com as imposições paternas, e que tomava atitudes consideradas ousadas em sua época como ir ao teatro sozinha. O roteiro ensaia explorar essa faceta forte de Lizzie até o momento definitivo dos assassinatos, mas mal dá conta de todas as outras vertentes que o texto acaba encontrando.

A direção de McNeill deixa explicita suas fragilidades especialmente na narrativa esquemática e pretensiosa em relação ao caso, que se inicia com Lizzie encontrando o corpo dos pais e gritando pela ajuda de Bridget para, logo em seguida, se apoiar num gigantesco flashback que tentará justificar as atitudes das duas mulheres dentro de um cotidiano abusivo e autoritário. E mesmo neste caso, a aproximação entre as duas mulheres é burocrática e quase dispensável, encontrando pouquíssimo reflexo num desfecho carente de envolvimento dramático, uma vez que McNeill se sustenta muito mais no quê de mistério e suspense sobre os assassinatos, por mais que a previsibilidade se faça presente. 

Fotografado com um distanciamento incômodo por Noah Greenberg, Lizzie ao menos nos satisfaz com uma recriação de época competente, de figurinos fechados que exemplificam  a repressão social da época, e uma direção de arte, assinada por Elizabeth J. Jones, que justificam a frieza com que a família Borden se trata mesmo dentro de uma residência suntuosa. A sutileza da trilha sonora de Jeff Russo, variando bem entre o suspense o os momentos mais intimistas, fecha o pacote de um filme que, ao menos tecnicamente, deixa pouco a desejar.

E se Kristen Stewart encontra dificuldades para transcender as exigências de um papel que lhe limita e pouco desafia, é Chloë Sevigny a chave para que Lizzie desperte alguma empatia ao compor uma figura feminina completa, complexa e pesada, e é nela que encontramos justificativas para a construção de uma catarse, por mais que esta também seja mal entregue ao público. A longa sequência dos assassinatos, em especial, é o momento chave para a atriz demonstrar sua força e carisma em cena. Mas ainda é pouco, pouco para um filme que falha tanto no próprio desenvolvimento, que é falho no retrato de uma sociedade que julgava as pessoas através de sua posição social, e que parece ter medo de se aprofundar num dos principais elementos usados para vender o filme: o relacionamento entre Lizzie e Bridget. É um filme frouxo em quase todos os caminhos que deseja trilhar.

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