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Críticas

Cineplayers

O terror físico de John Landis.

8,5

No cinema, ninguém viu o mito da maldição do lobisomem de forma mais impactante, dramática e assustadora  do que John Landis em seu Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London, 1981). Terror físico, brutal e desesperador, o seu maior clássico, inspirado na tendência em voga da época de tirar o terror do campo sobrenatural e intangível e colocá-lo mais próximo, com cheiro de ser humano, foi responsável não apenas por criar alguma das seqüências das mais sangrentas e brutais já vistas, mas também por revisar uma figura já clássica no imaginário do século vinte (graças ao Lobisomem original de Lon Chaney, entre outros) e dar-lhe uma forma e abordagem tipicamente modernas, ainda atuais e impressionantes.

Em certa entrevista, Landis explicou que a maldição da licantropia era como um câncer – com a diferença que afetava todos ao seu redor. Tendência do cinema de terror pós-anos 70, o homem era colocado numa posição terrível: insignificante, sem um Deus ao seu lado, a mercê de toda violência presente do mundo. É o que acontece com o pobre protagonista que só ia viajar pelo interior da terra da rainha e acaba vítima do folclore inglês que condenará o resto da sua vida. Primeiro tirando a vida do seu melhor amigo, depois transformando-o em uma besta irracional, violenta e sanguinária.

Investido em um trabalho psicológico pesado, Landis lota o filme com alucinações e pesadelos que desde antes da primeira metamorfose já denunciam algo de terrivelmente errado. O diretor também não poupa o espectador de um humor negro quase cruel – o que faz, muitas vezes, que achassem que o filme é uma espécie de mistura indecisa entre o terror e a comédia, pela violência e clima macabro de algumas cenas e pelo ridículo e insólito de outras.

Ledo engano. Tudo é conspiração do diretor para fazer do filme uma experiência devastadora. Estar sob efeito de uma maldição é a pior coisa que existe: é perigoso, nocivo, te isola do resto do mundo e te expõe ao ridículo. É quase como uma piada inconveniente solta no meio de uma conversa séria: o diretor fazer graça nunca prepara o espectador para o que vem a seguir, mas sim faz o filme ficar com uma clima cada vez mais insuportável, já que nunca sabemos o que esperar. A partir de certo ponto, até as cenas engraçadas parecem tremendamente desconfortáveis.

Como não se sentir incomodado se o diretor faz piada quando está falando de corpos sendo dilacerados e monstros nazistas massacrando a família do protagonista? A narrativa é violenta como a própria história que conta. A atmosfera, então, é sincera a cada fotograma: você não vai se sentir bem em momento algum do filme, que é a essência do incômodo.

Palavra esta que define o filme a cada segundo. A cruza entre humor e terror, entre mutilações e assombrações, entre o misterioso e o frenético deslancham em cenas absurdas, como o primeiro ataque, a transformação – e se você conhece uma outra cena que consegue transmitir dor de forma tão real quanto essa, favor avisar: jamais uma câmera foi tão detalhista ao filmar ossos se esticando e carne se deformando para dar lugar não para um monstro humanóide, mas para uma aberração dos pesadelos mais antigos da humanidade - e o diálogo no cinema entre vítimas que voltaram do túmulo para assombrar o amaldiçoado  compõem uma obra-prima do cinema perturbador.

Culpa, entranhas, medo, tripas, paranóia, sangue, condenação e mordidas: a revisão moderna do lobisomem vai além; é um dos filmes-chave para entender o espírito dos últimos trinta anos que os anos setenta sedimentaram. Não suscita grandes questionamentos ou reflexões, mas faz o principal – cria um clima de depressão e terror poucas vezes visto e igualado. O cinema é reflexo do seu meio e vice-versa e Um Lobisomem Americano em Londres, com seu jeito grosso e sua carnificina que quase chega a feder em toda sua podridão, está aí causando desconforto há trinta anos.

Comentários (22)

George Fercalli | segunda-feira, 02 de Junho de 2014 - 12:17

Um dos mais surpreendente filmes de horror da história do cinema. O que mais impressiona é a cena da transformação em um filme datado sendo melhor do que muitos CGIs de ultima geração!

Victor Ramos | segunda-feira, 02 de Junho de 2014 - 19:37

"Datado", né? (Principalmente considerando que é um filme muito mais atual que crepúsculos da vida, que apareceram há pouco e já demonstram desgaste dentro do próprio público.)

Raphael da Silveira Leite Miguel | terça-feira, 10 de Junho de 2014 - 22:37

Esse filme é do caralho e a crítica consegue transmitir toda aquela insanidade contida ali. Me fez querer rever urgentemente!

Patrick Corrêa | segunda-feira, 15 de Setembro de 2014 - 12:29

Filmão! A cena da metamorfose é antológica.
Crítica muito boa também.

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