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Críticas

Cineplayers

Homenagem de Almodóvar ao cinema noir, com personagens fortes e crítica à Igreja Católica.

8,0

Má Educação segue o mesmo estilo dos filmes recentes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, como Tudo Sobre Minha MãeFale com Ela, tanto em aspectos técnicos como em artísticos. Isso já seria suficiente para você entender que Má Educação é mais um filme de altíssimo nível, afinal essas duas películas citadas são filmes que poderiam muito bem receberem o rótulo de “obra-prima” sem muita injustiça. Talvez não seja para tanto no caso de Má Educação, mas o filme mais uma vez encanta principalmente pela sua direção e pela paixão com que Almodóvar consegue colocar seus personagens, além de mostrar mais uma vez seu amor com o cinema, dessa vez fazendo isso com o gênero noir.

Todo o filme pode muito bem ser considerado uma grande, lindíssima homenagem ao cinema noir, tanto pelo seu roteiro (que faz referência direta a clássicos absolutos do gênero, como ao maravilhoso Pacto de Sangue) como pela sua trilha sonora. Mais noir impossível. A segunda metade, então, é quase uma transcrição literal do clássico de Billy Wilder. Mas já estou me adiantando (desculpe, acontece muito isso). Má Educação é uma história de idas e vindas no tempo, confunde o espectador e confunde o que é realidade de ficção (há um filme sendo rodado dentro do filme). O roteiro é bastante confuso, os personagens se misturam e mostram-se diferentes do que pareciam. Mesmo assim, Almodóvar faz um belíssimo trabalho de direção e todos esses recortes no roteiro apenas servem para criar um clima maior de suspense – coisa que ao final funciona muito bem.

Almodóvar é um apaixonado por cinema e aqui homenageou grandes filmes (não apenas do gênero noir). Moon River, música-tema do filme Bonequinha de Luxo (com Audrey Hepburn) é cantada esplendidamente por um dos personagens do filme, já que o mesmo filme é citado por lembrar uma fase marcante da infância de um personagem. A paixão do diretor por cinema não restringe-se, porém, apenas em encaixar belíssimas referências de clássicos em seu filme, mas na direção e cuidado com que comanda seus atores, na forte ligação que ele cria entre personagens e espectadores. Geralmente seus personagens são comuns, bastante realistas, e mesmo assim conseguimos imaginar neles algo de espetacular, numa mistura de realidade e ficção que é difícil de encontrarmos em outros diretores.

Muitos irão ver esse filme, obviamente, pelas tórridas cenas de homossexualismo, mas não creio que esse seja um fator muito relevante. Ajuda o ator Gael García Bernal ser um dos novatos mais queridinhos da atualidade, já sendo considerado o novo símbolo sexual do cinema e com uma carreira com enormes possibilidades pela frente, desde que saiba manejá-la bem. Em alguns momentos o diretor parece fazer do homossexualismo um brinquedo do roteiro, forçando closes totalmente hilários (no contexto) de partes íntimas dos atores (a cena do banho de piscina) – algo que à princípio pode parecer desnecessário ou mesmo apelativo, mas encaixa-se muito bem na situação. Enfim, a opção por fazer da maioria dos personagens homossexuais ou transexuais no filme é mais uma característica do próprio diretor do que uma necessidade do roteiro. Creio que o filme seja antes de ser sobre homossexualismo uma homenagem ao cinema noir, como já expliquei no início dessa matéria. A prova disso é que o filme funcionaria perfeitamente do mesmo jeito com todos os personagens sendo heterossexuais.

Há também uma importante crítica à Igreja com padres abusando de crianças, embora atualmente isso seja algo comum e quase esperado – não há mais espanto com notícias desse tipo. Esse tema é mais relevante do que o homossexualismo e muito bem interpretado, principalmente nas partes em que o filme volta no tempo para exibir a infância do protagonista Inácio. Mas ainda assim é apenas mais um dentre os vários temas tratados pelo filme. É difícil definir Má Educação como sendo sobre alguma coisa apenas, é um trabalho completíssimo, e por isso pode confundir alguns espectadores, principalmente por causa da característica já comentada: a sua montagem não-linear e a dificuldade, em certos momentos, de entender o que é realidade e ficção dentro do mundo do filme. Mais uma vez, esse é o comportamento exato dos filmes noir: a mocinha pode se transformar na bandida de uma hora para outra, e tudo que você viu até certo momento pode ter sido apenas uma grande farsa.

Má Educação é mais uma aula de cinema do vencedor do Oscar (por melhor roteiro em Fale com Ela) Pedro Almodóvar. É um dos diretores que conseguem marcar suas características na tela (cores fortes, vivas – talvez um pouco enjoativas – enchem os planos de seu filme) mais até do que seus personagens, por melhores e mais bem tratados que estes sejam. Novamente, não é um daqueles filmes revolucionários ou nem mesmo inovadores, mas é levado com tanta perícia pelo diretor (e pelo roteiro) que é difícil achar falhas. Desde a trilha sonora (embora não seja superior à de Fale com Ela) até as interpretações, tudo é sólido e bem estruturado. Um filmão tanto para os adoradores do diretor quanto para os bons cinéfilos.

Comentários (1)

Davi de Almeida Rezende | quinta-feira, 26 de Dezembro de 2019 - 07:34

Rasgou seda, hein? Gosto do Almodóvar, mas esse é um dos mais fraquinhos dele.

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