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Críticas

Cineplayers

Magnólia é um caso raro de filme que melhorou com o tempo. Um clássico contemporâneo, uma das melhores obras do cinema americano dos anos 90.

9,0

No final dos anos 90 surgia uma estrela em Hollywood. E ela não estava à frente das câmeras. Muito pelo contrário. Seu brilho partia da originalidade do roteiro, da inventividade da direção e das excelentes interpretações que ele extraia dos seus atores. Seu nome era Paul Thomas Anderson. Hoje, já passados alguns anos, parece que o sucesso lhe subiu à cabeça, tanto que o cineasta passou a assinar seus filmes com um apelido de certa forma pedante (P.T. Anderson) e, além disso, demonstra um certo enfado para embarcar em novos projetos. Seu último trabalho, Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love), já data de 2002, e apesar de ter seus defensores – o filme levou o prêmio de direção no Festival de Cannes daquele ano – é uma realização bem abaixo do que se poderia esperar do autor de Boogie Nights - Prazer Sem Limites (Boogie Nights, 1997) e deste Magnólia.

Apesar de estes pesares, não podemos descontextualizar o filme da época de seu lançamento. Ao surgir nas telas em 1999, Magnólia deixou sua marca. Mas o mais interessante é que, ao contrário de muitos filmes lançados atualmente, a fita vê sua fama aumentando com o tempo. Em outras palavras, os anos lhe fizeram bem. E isto tem uma explicação até bem simples: depois de assisti-lo a mais de uma vez, o espectador consegue digerir todas as nuances da história e perceber suas qualidades e o quão profundo eram os temas ali abordados.

Magnólia era apenas o terceiro filme no circuito comercial de Hollywood de Anderson. Na época, ele demonstrava estar totalmente desvinculado do sistema padrão que é imposto pela indústria, levando à tela uma história original, crua, sem concessões, inclusive com referências bíblicas, e que, definitivamente, não era para todos os gostos. Mais que isso: o diretor conseguia atrair para si, uma constelação de estrelas que julgava ser artisticamente correto trabalhar ao seu lado, status que diretores do calibre de Woody Allen e Robert Altman demoraram anos para alcançar. Aliado a isso e a incrível qualidade de sua curta filmografia, podia-se dizer que, naquele momento, o cineasta era, ao lado Quentin Tarantino, a grande revelação do cinema americano do fim do século XX. Inovador, ousado, que trazia um frescor à narrativa meio quadrada dos filmes atuais, coisa que há tempos não se via. Mal comparando, Paul Thomas Anderson representava para os anos 90 o mesmo o que Peter Bogdanovich e Francis Ford Coppola significara para os 70 e o que Martin Scorsese para o início dos anos 80 e 90. O vazio deixado por Anderson desde Magnólia – não preenchido por Embriagados de Amor – nos deixa com uma sensação de frustração e de desperdício. Aguarda-se, ainda, um novo trabalho à altura do grande cineasta que ele, um dia, pareceu ser.

Magnólia, o filme, acompanha um único dia da vida de vários personagens, cujas histórias se interligam a todo instante. O roteiro se preocupa em, rapidamente, apresentar cada um deles, até como forma de o espectador se situar na trama. Assim, temos Earl Partridge (Jason Robards), um sexagenário produtor de televisão, que está em seu leito de morte, aguardando o câncer encerrar o trabalho que já iniciou. Ele é casado com Linda (Julianne Moore, em um de seus vários filmes de 1999), uma mulher muitos anos mais jovem, que aceitou o casamento unicamente pelo dinheiro, mas que, naquelas horas finais, descobre que o ama. Earl tem ao seu lado o enfermeiro Phil Parma (Philip Seymour Hoffman), uma boa pessoa, que sensibiliza com os problemas de seu paciente, e luta para colocá-lo ao lado de seu filho, Frank Mackey (Tom Cruise), antes do evento trágico. Este, por sua vez, é uma espécie de Lair Ribeiro da sexualidade, que ensina aos homens a árdua e heróica tarefa de como seduzir e conquistar as mulheres. Paralelamente, Jimmy Gator (Philip Baker Hall) é um âncora de um programa tipo O Céu É O Limite, produzido por Earl, e que é exibido há mais de 30 anos. Ele também está combalido pelo câncer, e com pouco tempo de vida. Do ponto de vista pessoal, Jimmy tem problemas de relacionamento com sua filha Claudia (Melora Walters), rebelde, viciada em drogas pesadas, e que se entrega ao sexo com estranhos. Ela encontra no policial de rua, Jim Kurring (John C. Reilly), uma chance de estruturar novamente sua vida. Do ponto de vista profissional, Jimmy, pressionado pelo câncer e pela ausência de diálogo com a filha, começa a ter dificuldades de comandar o espetáculo televisivo, respondendo de antemão as perguntas que ele mesmo elaborou para seus candidatos. Um deles é o garoto Stanley  Spector (Jeremy Blackman), um gênio de conhecimentos gerais, que está prestes a bater o recorde do programa e, por isso, receber um boa quantia em dinheiro como prêmio, sobre o qual seu pai não vê a hora de colocar as mãos. Enquanto isso, Donnie Smith (William H. Macy), famoso por ter sido, no passado, o detentor deste recorde, atualmente é um quarentão fracassado, lutando para manter-se no emprego de favor, e tentando conquistar um jovem barman.

Basta este quadro para se perceber a complexidade de temas e relacionamentos trazidos em Magnólia. Inevitavelmente, estas histórias se cruzam ao longo do filme, montando um ambicioso painel da sociedade média americana. Anderson parece ter carinho especial com cada um de seus personagens, pois concede a eles tempo de cena suficiente para que demonstrem sua importância no contexto geral.

O primeiro e talvez principal desafio enfrentado por Magnólia é a sua estrutura episódica e sem um rumo estabelecido. Nós espectadores, estamos acostumados a acompanhar histórias que tenham um fio condutor bem definido, geralmente um objetivo desejado pelo protagonista, e que nos faça torcer pelo destino dos personagens. Em Magnólia não temos esta característica. São tantas tramas e subtramas, paralelas ou que se interligam ao longo do roteiro, e todas elas igualmente importantes, que o filme poderia facilmente perder o contato com seu público. A constante mudança de foco representa para os espectadores um eterno recomeço, a necessidade de se resgatar situações e informações passadas e que já pareciam resolvidas ou sem importância, dando a impressão de uma obra que nunca chega a avançar ou apontar para um destino. Como esse artifício se prolonga durante as mais de três horas de projeção, Magnólia corria o risco de perder a conexão com o seu público.

Mas Paul Thomas Anderson demonstra ser um cineasta inteligente e consegue escapar desta armadilha com muita originalidade e estilo. Como forma de deixar a narração mais atraente, ele lança mão de vários recursos de linguagem cinematográfica: cortes rápidos e bruscos de câmera (característica já demonstrada em Boogie Nights); longos travellings (reparem na bela cena que Anderson percorre com o garoto Stanley os corredores do estúdio de gravação do programa de perguntas e respostas); zooms; muita música de fundo (alguns sucessos do Super Tramp e outras canções de Aimee Mann, especialmente compostas para o filme) etc. Numa seqüência em particular, aparentemente banal, enquanto Claudia tenta oferecer café frio ao policial, ouve-se ao fundo Carmen, de Bizet. Em outra, especialmente brilhante, todos os personagens cantam, separadamente, trechos da canção Wise Up, cada qual retomando a estrofe seguinte em que o artista anterior havia parado. São exemplos de como um diretor consegue, com uma idéia na cabeça, uma câmera na mão, e talento de sobra, tornar a narrativa cinematograficamente interessante.

A crítica americana comparou Magnólia com os filmes de Robert Altman, notadamente Short Cuts – Cenas de Vida (Short Cuts, 1993). Realmente percebe-se uma semelhança de estilo. Ambos gostam de passear com a câmera pela vida de diversos personagens, interligando as histórias ao acaso. Além de Short Cuts, Altman empreendeu esta tarefa em Nashville (Idem, 1975), Cerimônia de Casamento (A Wedding, 1978) e Pret-a-Porter (Idem, 1994). Anderson já havia experimentado este método, de forma ainda tímida, em Boogie Nights. Aqui, em Magnólia, ele o aprofunda ao máximo. Ainda assim, é possível notar algumas diferenças entre os dois estilos. A primeira, de ordem de conceito de narrativa: Anderson não permanece mais que alguns minutos em cada uma das histórias, suspendendo a narração para retomá-la alguns minutos mais tarde. Altman, por sua vez, prefere se prolongar em cada uma das cenas, geralmente fechando um determinado assunto iniciado. A outra distinção, talvez seja decorrente da própria personalidade dos cineastas. Anderson possui uma visão mais amarga, crua e desesperançada da vida. Todos seus personagens têm contas a acertar com o passado, carregam consigo fortes arrependimentos. Altman, até pela experiência que só os anos trazem, conduz a narrativa de forma mais leve e solta, parecendo não levar nada muito a sério. Na verdade, Altman, já octogenário, se permite rir das pequenas idiossincrasias do cotidiano do ser humano. Independentemente da característica individual de cada um, devemos agradecer aos céus pelas suas realizações.

Além de bom cineasta e roteirista, Paul Thomas Anderson é um excelente diretor de atores. Em Boogie Nights conseguiu um feito triplo: extrair uma das melhores interpretações de Julianne Moore, dar a primeira e até agora única indicação ao Oscar para Burt Reynolds, e praticamente ensinar ao ex-integrante do New Kids On The Block, Mark Whalberg, o ofício da representação. Em Magnólia, ele se supera e oferece aos seus atores terreno fértil para grandes atuações. Alguns, é certo, têm pouco chance de melhor aparecer, pela própria amplitude espacial do personagem, como Jason Robards e Philip Seymour Hoffman, que ficam confinados a um único quarto durante todo o filme – sendo que o primeiro sempre deitado. Philip Baker Hall, parceiro dos trabalhos anteriores de Anderson, passa muito bem sua fragilidade perante o câncer e à filha com a qual não consegue dialogar. John C. Reilly faz um policial ao mesmo tempo bom, ingênuo e solitário. Talvez a mais fraca seja, contraditoriamente, aquela que deve ser a melhor atriz americana do momento, Julianne Moore, que, em sua luta para alterar o testamento do marido e obter deste o perdão pelas traições passadas, fica o filme inteiro chorando. Quem mais se destaca – até mesmo pelas chances que o personagem lhe dá – é mesmo Tom Cruise, em seu papel mais ousado na carreira, com muitos palavrões e referências machistas. Não à toa, foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante (perdeu o prêmio para Michael Caine, por Regras da Vida).

Mas o melhor mesmo de Magnólia são seus primeiros quinze minutos, quando Anderson elabora um prólogo de três histórias, nas quais são mostradas coincidências aparentemente estranhas e difíceis de ocorrer. Com isso, ele prepara o espectador para o universo inusitado que será desenvolvido ao longo do filme. A cena contida na última destas histórias, na qual um filho suicida se atira para a morte e é alvejado no meio do percurso, ainda no ar, pela própria mãe, pela bala do rifle que ele mesmo havia carregado, tudo isso por intermédio de gráficos, é genial.

A inspiração prossegue no ápice, quando, ao iniciar a narrativa propriamente dita, Anderson apresenta os diversos personagens, de forma ágil, violenta, com muitos cortes e movimentos rápidos de câmera. Como eles ainda não são conhecidos àquela altura do filme, o espectador pode encontrar dificuldades de compreender, de plano, os intrincados relacionamentos entre a vida daquelas pessoas que desfilarão pela tela nas próximas três horas.

Magnólia é um filme difícil de resumir. Certamente merece e deve ser visto mais de uma vez, até mesmo para se degustar todos os detalhes de suas várias histórias. Depois de assisti-lo três vezes, concluí que o verdadeiro tema do filme é o poder da culpa e do arrependimento na vida de pessoas comuns. A corrosão da alma e a necessidade do perdão para alguns personagens é tanta, que a morte surge como único e tardio alívio. O personagem de Jason Robards é o símbolo desta mensagem. É dela uma das melhores frases do filme: “A vida não é curta. Ao contrário, a vida é muito longa”.

Talvez isto explique a discutida cena final, pela qual até hoje Magnólia é lembrado, em que Paul Thomas Anderson, a partir de uma passagem bíblica contida no livro de Êxodo, impõe a todos os personagens, um psicodélico castigo dos deuses, procedendo a limpeza de todos os pecados e sugerindo, ao final, a esperança na raça humana.

Comentários (5)

André Sandes | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 12:31

Odiei esse filme. Achei uma novela incoerente!!
Mas assistirei novamente.

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 18:26

Esse filmaço tem que ser assistido, de preferência sozinhho. Tem que se estar 100% disposto à apreciá-lo.

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