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Mascarados

(Mascarados, 2020)
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Críticas

Cineplayers

Ressaca

9,5

De um lado, quebram-se pedras; de outro, um artista regional produz máscaras pintadas à mão. Duas formas de trabalho que se enfrentam frontalmente em determinado momento da projeção de Mascarados (2019) na verdade montam um mosaico sobre precarização além das situações trabalhistas, mas uma observação sobre a falência de alguns grupos menos privilegiados com o trabalho em si. Não há necessariamente sonho, mas uma melancolia e um pessimismo intrínsecos e talvez seja o filme dos irmãos Marcela e Henrique Borela o primeiro exemplar de uma espécie de ressaca pós-golpe. 

A precarização das lógicas internas de trabalho (sejam elas oriundas do mercado ou do indivíduo) não é necessariamente uma novidade temática, mas o cinema talvez esteja no hoje olhando pra essa situação sob um viés poético-realista, ainda que as conclusões não sejam a priori edulcoradas. Aqui, o que vemos é um mormaço da existência, um lugar indefinido da autorrealização e que investiga uma fatia nunca positivada; na verdade se trata de uma burocrática espera por um futuro inexistente. 

Personagens como Marciley ou Capybara estão constantemente em situações de reflexão, sem qualquer representativo de saída escapatória para um momento absoluto de crise metáfora até óbvia pra fora do filme. Como uma resposta à estagnação social do último ano pra cá, temos aqui mais um entre tantos casos de produção que, ao demorar em sua gestação, vê a luz do dia premonitoriamente. Não há amor ou mesmo busca pelo amor, não há oportunidade ou busca pela mesma, e assim cada um deles segue, prostrado em busca de uma sensação vazia de revanche igualmente não buscada, só sonhada. 

Na luz do fim do túnel, a saída seria a arte, sempre ela nesse registro de recuperação. O personagem que faz máscaras também toca violão e ouve de um dos trabalhadores da pedreira: "Preciso arrumar um trabalho que me faça feliz", e que seria esse o caso dele. Um pouco de mais detalhamento a esse personagem para além de uma visão simbólica de saída ainda que sem garantia e que tivesse um lugar liberto do gatilho emocional faria ainda melhor por um projeto herdeiro das matizes difundidas pela Filmes de Plástico e por Affonso Uchoa, aqui como montador.

Ainda que fechado nesse estado de banzo quase perdoável que prostrou a todos, Mascarados guarda ao menos duas catarses a primeira é a esperada festa da Celebração do Divino Espírito Santo, que não é fetichizada nem seus moradores, apenas um universo que é moldura para uma espécie de soltura às avessas; como diz o bonequeiro, "às pessoas, as máscaras para se libertar"; em particular a emocionante cena de dança do quarteto de amigos ao som dos versos de Iza e Falcão, "Ainda erguendo meus castelos / Vozes e ecos / Só assim não me perdi...", serve como uma pancada nos sonhos em suspenso.

A segunda catarse são os 5 minutos finais, tão cheios de símbolos. A corrida em desabalada carreira brilhantemente fotografada por Wilssa Esser é a progressão de um gesto de enfrentamento coletivo com o sistema que oprime, que gera um despertar da letargia, e que acaba por encarcerar quem já é historicamente encarcerado. Uma ilusão de fuga que reflete os resultados reais das ações, parecendo trazer de volta no horizonte a mesma prostração dilacerada filmada por Marcela e Henrique continuamente, que saiu de cena por um instante mas que deixa como metáfora o retrato de uma possível explosão descontrolada pós-ressaca, nosso próximo passo. 

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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