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Críticas

Cineplayers

Dramédia um pouco insípida.

6,0
Com mais de vinte anos de carreira nas costas, Richard Linklater goza atualmente de imenso prestígio crítico e de público, especialmente após o sucesso do ambicioso Boyhood: Da Infância à Juventude, em 2014. Seus principais filmes são mais voltados a examinar espontaneamente o comportamento de seus personagens em pequenos fragmentos cotidianos do que a grandes e intricadas tramas. Há também uma questão transversal de importância fundamental em sua obra: o tempo. Do processo de feitura de Boyhood à forma da trilogia do entardecer (com o segundo filme transcorrendo quase que em tempo real), sua filmografia sempre menciona a maneira como o tempo se desenrola e se relaciona com as pessoas – e com o próprio cinema.

Em A Melhor Escolha, Linklater cria uma espécie de continuação de A Última Missão, grande filme setentista de Hal Ashby. Os três personagens do filme possuem backgrounds bastante similares e agora reencontram-se depois de quase trinta anos, na incumbência de lidarem com as personalidades conflitantes uns dos outros, e com o contexto de uma nova guerra no país. O filme se passa em 2003. A invasão norteamericana ao Iraque está a todo vapor. O filho único de Doc, tendo sido convocado, perdeu a vida em combate. Doc, viúvo e agora sem filho, cruza vários estados do país para se reencontrar com Sal Nealon (Bryan Cranston) e Richard Mueller (Laurence Fishburne) e pedir que eles lhes acompanhem para recolher e enterrar o corpo do filho.

Nesse misto de road movie com buddy movie, Linklater trabalha como de costume, buscando fazer do seu filme a interação entre os três personagens durante a jornada. Diferentemente de seus melhores trabalhos, porém, os personagens aqui parecem planos e sem carisma. A intransigência e ríspidez de Mueller aliada à introversão de Doc fazem, em diversos momentos, que o filme se torne frio e monótono. Bryan Cranston tenta (e consegue, muitas vezes) carregar o filme todo nas costas, com a verborragia e a inconsequência de seu Sal Nealon.

Há um outro ponto no filme: a postura tida como progressiva de Linklater é bastante expressa ao longo de sua filmografia, e seria de imaginar que dirigindo uma história sobre um pai que enterra o filho morto na Guerra do Iraque, o diretor tomaria algum posicionamento no sentindo contrário ao conflito, que dizimou, estima-se, mais de 600 mil iraquianos e cerca de 5 mil soldados americanos. Embora o filme flerte com essa descrição negativa da guerra no começo, pouco a pouco Linklater parece fascinado pelos rituais, pelo status e pela honra do combate, e o filme busca extrair bastante dignidade da coisa toda – inclusive do conflito no Iraque.

Não seria necessário proselitismo na hora de representar uma história que tem a Guerra do Iraque como pano de fundo. Porém o tema, sendo de extrema complexidade e importância na contemporaneidade, exige um tratamento igualmente complexo, que dê conta de lidar com implicações morais e psicológicas do acontecido. Algo que Clint Eastwood fez com o gigantesco Sniper Americano, por exemplo, o que Linklater não dá conta nem de chegar perto.

A ironia trágica que perpassa toda a história é que a geração dos personagens principais, tendo vivido e fracassado com o Vietnã, é obrigada a fitar sua geração descendente embarcando num outro conflito que, embora de motivações diferentes, expõe claramente a relação viciosa e dependente que os Estados Unidos têm com a guerra. O peso dessa observação não parece algo bem exposto no filme. Embora os três personagens tenham seus traumas, a construção dessas relações parece frouxa e bastante frágil.

Embora com problemas, o filme é bastante razoável. Não temos aqui os melhores personagens da filmografia de Linklater, mas o diretor possui uma capacidade muito alta de conceber essas histórias de pessoas comuns lidando com conflitos cotidianos. Há cenas espalhadas ao longo do filme que revelam melhor a qualidade do tratamento de Llinklater aos seus personagens, fazendo com que o filme valha um pouco mais a pena. A interação de Nealon com Mueller é especialmente eficaz e ajuda o filme a moldar o tom de dramédia pretendido. O build-up dramático para o funeral do filho de Doc é subvertido com uma entonação muito mais leve do que seria esperado, revelando no próprio Doc uma resignação devastante muito interessante – e triste – de se observar.

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