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Críticas

Cineplayers

À hiper-realidade de Chantal.

9,0
Desvincular o conjunto de remitências de Valérie Massadian ao cinema de Chantal Akerman em Milla é tarefa ingrata. O rigor que a diretora impõe é indigesto e parte do famoso conceito do “nada acontece”, tão citado nos estudos do cinema de Chantal Akerman. Em Milla, a inércia antes e pós-trauma servirá como suporte máximo à estrutura narrativa em um filme minimalista que estabelece com a rigidez de seus planos a alusão à dramaticidade do cotidiano. 

Milla é dividido em dois extremos: primeiro, acompanha os hábitos de um casal que segue o contrafluxo de regras e valores sociais num jogo de sobrevivência pautado pela coragem adolescente e suas inconsequências. Ainda que a sugestão seja de um suposto descontrole por parte destes jovens, não sabendo o dia de amanhã, a noção do que se vê é de um controle completo do espaço, da relação – com seus prós e contras – entre marido e esposa e a entrega do futuro ao vazio. É um jogo de repetições, de submissão ao tempo e para Valérie, a de repetição do formalismo, que consiste na mais simples maneira de filmar – como mais uma inclinação ao tédio.

Quando a ruptura chega – muito bem condensada por parte de Valérie -, os hábitos vistos agora são de uma dona de casa, de uma mãe; ao contrário de Jeanne Dielmann - o mais próximo de uma comparação que Valérie e Chantal podem chegar - as ações não estão na íntegra, mas boa parte na duplicidade do close e do plano geral. Milla amamenta, brinca com a criança, limpa a casa. Ao redor, solidão, medo, o futuro a chegar. É a sensação imutável que Milla traz a cada plano, a consistência do desconhecido, de um fantasma a bater à porta. 

Neste completo desequilíbrio emocional, impressiona o rigor de Valérie Massadian em não mudar o tom. A impressão é de ver a via crucis imposta pela protagonista a si; o conformismo de uma nova vida, agora tão imutável quando a possibilidade da primeira. Um filme cercado por dimensões de presença e ausência, Milla respeita a percepção de uma personagem extremamente humana, de fragilidades e abismos possíveis a qualquer um e assim, opta pela simples observação, de ações e tempos elásticos, sugerindo aproximação à realidade.

Ao contrário dos contornos dados por Chantal a Jeanne Dielmann que muitas vezes se aproximam de voyeurismo, o filme de Valérie Massadian assume seus limites narrativos; está preocupada com a representação de sua protagonista e por vezes diminui os espaços, agigantando Milla na tela, mas a diminuindo em seus sentimentos. A cada vez que Valérie entrega a imagem à protagonista, ela é engolida. Essa dicotomia de imagem e sentimentos é mais explícita, acabando com qualquer possibilidade de um filme de mera observação. 

O interesse  do filme está na sensação de asfixia, de uma vida a base de ar rarefeito e de tempo amorfo. Pois a longevidade é subjetiva e o mesmo serve para marcas e legados deixados – talvez a única forma de se alcançar o futuro, de fato. 

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