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Miseráveis, Os

(Les Misérables, 2019)
7,2
Média
37 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Em cima do muro

4,5

Tudo em Os Miseráveis parece meticulosamente construído para abraçar a catarse final, embora só a vivência interna seja capaz de mensurar a necessidade da mesma. Reside na concepção básica do filme inexplicavelmente incensado de Ladj Ly o ponto de partida de seu erro cabal: como criar empatia com o que obviamente a merece se a espinha dorsal narrativa é baseada no dia de um trio de policiais, sua preparação para tal, seu descanso final, ou seja, a tentativa de humanização de quem o próprio filme ataca?

Talvez a produção premiada em Cannes sofra de uma espécie de bipolaridade, já que suas intenções nunca ficam claras. E o que poderia se fortalecer como uma atitude isenta, acaba aparentando covardia quando não há sequer sombra de equilíbrio em dar o mesmo peso temporal ou emocional às partes conflitantes. A ala de fato 'miserável' é composta por estereótipos distanciados, enquanto a polícia (ainda que igualmente estereotipados) tem "camadas", tem "famílias", tem um "lar", tudo que é negado aos civis. Se a intenção era dizer #somostodosmiseraveis, perdão Ly... Falhou fragorosamente.

Se as escolhas de enfoque incomodam, não acumula mérito um roteiro tão alicerçado sobre clichês: o policial novato sem as manhas locais irá bater de frente com a truculência imperativa e resolver todos os conflitos na base do diálogo, mesmo sendo um mero desconhecido sacaneado na primeira parte inteira. Do lado da população, a enésima vez que alguém testemunha contra a força policial e precisa fugir com as provas da ação desastrosa oficial não é necessariamente de um primor original. É uma estrutura talvez eficiente pra criar um plot, mas ainda assim cansativa e esgarçada.

O trabalho de Ly na construção de planos também não oferece algo fresco ou empolgante, apenas uma sucessão de cenas com drones (ao menos se construiu uma justificativa para os mesmos), diálogos escrotos entre policiais tóxicos, enfrentamentos campais entre ciganos, negros, crianças, policiais e mais o que tiver passando sem desenhar com humanidade ninguém, e uma sensação interminável de já ter visto o mesmo material com mais carinho, potência, inteligência e responsabilidade (a palavra que mais falta ao filme) antes. Do jeito que é apresentado, Os Miseráveis não provoca nenhum debate, só uma infantil necessidade de vingança; nem vou citar o filme com o qual Ly empatou em Cannes porque é diminuir ainda mais um trabalho que, no fim das contas, é correto.

A necessidade intrínseca de 'lacrar' e 'causar' com certeza não será a tônica de todas as opiniões positivas sobre o filme, mas estará inserida em muitas delas. A análise cinematográfica está perdendo o espaço pro 'textão' desprovido de bagagem, que impede a malha crítica de perceber decupagem e edição como pontos básicos de uma realização. Ainda que o candidato ao Oscar da França crie um estado permanente de tensão em tela, quando seu plot parte de um evento tão infantil quanto o daqui e o filme se posiciona tão em cima do muro quanto aqui, em uma decisão que prejudica as ambições da realização, o material fica comprometido.

Difícil olhar pra Os Miseráveis e não lembrar do óbvio O Ódio de Mathieu Kassovitz e também de Polissia de Maïwenn. Cada um em seu lugar, seus autores escolheram exatamente o que mostrar, qual o enfoque dar e como adentrar seus respectivos e distintos universos. A obra de Ladj Ly parece querer tratar todos os seus personagens de maneira igualitária, mas ao dar muito mais tempo de cena e construção narrativa a uns que a outros, ao reduzir seus conflitos a uma briga circense, todo o material se desfaz, restando a catarse final sozinha e isolada e, ainda que também ela montada em clichês, eficiente no surgimento imagético do Lunga do futuro.

Victor Hugo com certeza não aprovaria, mas a sociedade do meme vai aplaudir e elevar. Tempos estranhos... 

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

Comentários (1)

Josiel Oliveira | quarta-feira, 12 de Agosto de 2020 - 23:19

"Falhou fragorosamente" kkkkkkkkk rachei
Me decepcionou também.
Não achei ruim exatamente o fato de ser em cima do muro, ou de humanizar os policiais.. até achei isso bom.. afinal é difícial generalizar, o policial também é vítima do sistema.
Mas realmente achei fraco, não é um filme que chama a atenção em nada: não é incisivo no seu recado, recheado de estereótipos, não consegue passar uma "verdade" daquele local, e uma direçãozinha feijão com arroz que não chamou a atenção em nenhum momento.
Muito "caseirismo" botar esse filme pra empatar com Bacurau.. pelo amor de Deus, Bacurau é um milhão de vezes superior em todos os sentidos.

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