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Monstros

(Freaks, 1932)
8,1
Média
186 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Os verdadeiros monstros.

8,5
No filme Trindade Maldita (The Unholy Three, 1925), o diretor Tod Browning contava a história de três habilidosos ladrões em fuga, com o adicional de cada um deles possuir uma característica muito particular e assustadora. O ator Lon Chaney, que ficou famoso pelas pioneiras caracterizações horrendas de monstros dos filmes mudos e que era conhecido como o homem de mil faces, interpreta aqui um ventríloquo bizarro que chefia o trio, também composto por um brutamonte de tamanho quase sobre-humano e um anão de aspecto macabro. O filme reforçava a tendência das produções mudas da época que se popularizavam com películas grotescas, que exploravam deformidades e deficiências físicas como chamariz para assombrar o público. Também aderia ao conceito popular de repúdio e medo diante de pessoas marginalizadas por deficiências congênitas, que no show business só tinham espaço para interpretar monstros, vilões ou qualquer outra variante do tipo. 

O fato é que era mais confortável enxergar essas pessoas sob uma óptica negativa e assim se livrar de um senso de culpa coletivo sobre indivíduos que, como todos bem sabiam, não passavam de seres tão humanos quanto qualquer um. Para Tod Browning, que já tinha no currículo muitos filmes do tipo, assim como participara da onda de refilmar clássicos literários de terror como o famigerado Drácula de Bram Stoker, era complicado acompanhar o advento do som dentro do pantomímico cinema popular de terror. Monstros (Freaks, 1932) veio como uma oportunidade interessante de fazer justiça aos marginalizados e dar literal voz a eles, num encontro entre drama e horror que chocou o público à época e entrou para a história do cinema. 

Monstros é um cult amaldiçoado em seu tempo, que traz um mosaico dos bastidores de um circo itinerante, formado pelos mais diversos personagens, sendo a maioria deles portadores de deficiências físicas deformadoras que são usadas como forma de entreter o público por meio do choque e do repúdio. Anões, gigantes, gêmeos siameses, microcefálicos, manetas, hermafroditas, pernetas, entre outros, dividem espaço com outros artistas sem nenhum tipo de deformidades físicas e essa convivência é repleta de segregação, preconceito e crueldade. A trapezista Cleópatra (Olga Baclanova), por exemplo, usa de sua beleza para explorar financeiramente o anão Hans (Harry Earles), enquanto mantém um caso com o fortão Hércules (Henry Victor). Ao descobrir que Hans é herdeiro de uma grande fortuna, a moça planeja um casamento seguido de assassinato a fim de ficar com todo o dinheiro para si. 

O que mais impressionou o público à época foi a incômoda perspectiva de Browning em retratar os personagens de forma humana, sem o aparato vilanesco até então muito comum relegado a eles. Pela primeira vez eles não agiriam como bandidos ou monstros e sim como pessoas reais, com sentimentos reais e, ainda por cima, vítimas de uma sociedade cruel e preconceituosa. A moral do diretor se voltava para o lado oposto, revelando aqueles considerados “normais” como os verdadeiros monstros da vaidade, do orgulho, do preconceito, da ganância. Tod Browning trabalhou no circo quando jovem e viu de perto aquela realidade, de modo que tratou o assunto com muita segurança e propriedade. No entanto, sua veia autoral com o cinema de horror se faz presente a partir do ponto em que os personagens renegados percebem as intenções homicidas de Cleópatra e Hércules e decidem se vingar do casal. Nesse ponto, não há empatia gerada pelos personagens que torne o momento de virada menos assustador e macabro. 

Muitos diretores fizeram obras aparentemente muito influenciadas por este seminal Monstros. Desde o conceito adotado por Tim Burton em seu cinema lotado de outsiders repudiados por uma sociedade homogeneizada em padrões de beleza e comportamento, seja no viés crítico/social seguido por Wes Craven em seu Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes, 1977), ou mesmo na questão da deformidade física usada como matéria de horror e reflexão por David Lynch em filmes como Eraserhead (idem, 1977) e O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980). 

Por trás de tudo, Browning ainda traça um retrato da exploração desmedida do corpo no mundo do show business. A fisicalidade ou corporalidade alcançada pelos planos fechados do diretor é tamanha que incomoda mesmo nas apresentações glamorosas de Cleópatra, que é vista como um pedaço de carne, assim como todas as personagens femininas da trama. No show business o que vale é a atração, o dinheiro, o apelo, seja ele encontrado na beleza de uma trapezista ou no choque de um homem desmembrado. Nesse universo pessimista e sombrio erigido por ele, não há espaço para nada solar ou feliz porque o verdadeiro mal está no fator humano, sempre incompleto ou assustador – seja ele físico ou moral. 
Monstros foi lançado recentemente em edição definitiva e remasterizada em DVD pela Obras-Primas do Cinema, incluindo mais de uma hora de extras com finais alternativos e um documentário completo sobre o filme. Não deixe de conferir!

Comentários (3)

Josiel Oliveira | quarta-feira, 26 de Abril de 2017 - 21:11

Poxa.. se for pra fazer crítica patrocinada pelo menos fala mais dos extras

Heitor Romero | quarta-feira, 26 de Abril de 2017 - 21:52

Josiel, a crítica não é patrocinada haha, mas sugestão anotada, nas próximas sobre filmes que estão sendo lançados em DVD vou tentar incluir mais detalhes sobre os extras 😉

Josiel Oliveira | quinta-feira, 27 de Abril de 2017 - 11:09

É bom que aí valoriza o diferencial do produto, que são os extras... daí quem sabe não acaba virando um patrocínio bacana kkkk não seria de todo ruim, não?

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