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Críticas

Cineplayers

Os nossos monstros do armário.

9,0

Na escala de ascensão da Pixar, que começou pra valer nos anos 90, com toda a inovação que Toy Story - Um Mundo de Aventuras (Toy Story, 1995) trouxe à indústria, talvez seja Monstros S.A. (Monsters, Inc., 2001) o filme mais importante no mergulho da empresa nessa ideia de atribuir conflitos e sentimentos humanos a universos regidos por seres que no nosso mundo são vistos como imaginários, irracionais ou inanimados. A fórmula sempre readaptada com sucesso começou em Toy Story, em que temos uma “sociedade secreta” de brinquedos que ganham vida própria quando os humanos não estão olhando, e ganhou posteridade em projetos como Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003), com os seres marinhos organizados em uma civilização muito similar à nossa, nunca esteve tão graciosa e terna como em Monstros S.A. Primeiro em sua divertida sátira ao mundo corporativo, do qual os próprios criadores Peter Docter, David Silverman e Lee Unkrich fazem parte, e depois em sua sensível retratação da dor do desapego.

O que faz dos filmes bons da Pixar tão sensíveis e de fácil identificação do público tanto adulto quanto infantil é justamente essa ideia genial de maquiar através de muita aventura e comédia fantasiosa histórias de teor bastante humano, o que nos acaba pegando de surpresa, quando de repente vemos em meio àquelas aventuras um ponto em comum. E quase sempre, em meio a esses temas e pontos em comum, o maior enfoque é na dor do desapego. No geral, nas animações da Pixar, há sempre um pequeno sofrimento latente em ter que deixar a vida seguir seu fluxo e deixar para trás algo que você não queria que mudasse. Seja Woody tendo de aceitar que Andy agora tem um novo brinquedo preferido, ou mais tarde tendo de ver seu dono crescer e deixar pra trás os antigos amigos brinquedos; seja o peixe Marlin tendo de aceitar que agora seu filho Nemo está crescendo e querendo conquistar sua independência; sejam os heróis aposentados de Os Incríveis (The Incredibles, 2004), que passam a maior parte da vida remoendo os bons e velhos tempos de ação; seja Carl Fredricksen tendo de lidar com a morte de sua amada esposa, melhor amiga e companheira de todas as horas em Up - Altas Aventuras (Up, 2009); ou seja o trio Boo, Sulley e Mike em sua delicadíssima discussão sobre o desapego da infância.

Recentemente relançado no Brasil, agora em excelente 3D, Monstros S.A. é uma divertida aventura pela cidade de Monstrópolis, que fica escondida dentro do seu armário e de todos os armários que existem no mundo, que servem como portal para o universo humano, onde os monstros entram para arrancar sustos de criancinhas indefesas, já que o grito delas fornece energia para a cidade. Sulley é o melhor de todos os assustadores da empresa fornecedora de energia Monstros S.A. e Mike é uma espécie de agente dele, além de melhor amigo. Mas nem tudo está bem para os dois, já que hoje em dia as crianças são muito mais espertas, até mesmo céticas, e não saem gritando por aí com qualquer monstro, o que num futuro imediato pode gerar uma crise de energia para a cidade. Para piorar, uma delas – a adorável Boo – acaba escapando e invadindo o mundo dos monstros, causando o maior reboliço, visto que são classificadas como extremamente tóxicas para a saúde da monstruosidade, e acaba despertando a amizade e carinho paternal de Sulley.

Essa ideia de criar uma relação de medo bilateral entre monstros e crianças é uma das maiores sacadas do filme, proporcionando um mote inicial muito cheio de possibilidades, já que os monstros ali não passam de seres inofensivos e mortos de medo diante do contato com qualquer criança. Foi um recurso muito inteligente, por quebrar a imagem tradicional de monstros malvados e crianças espertinhas, para construir personagens cheios de nuances, independente de sua condição fantasiosa de feras. E daí nasce o ponto mais forte do filme, a relação de amizade entre Boo e Sulley, e como isso simboliza, em uma visão mais ampla, a mensagem central da obra. Experts nesse tema da amizade, os animadores da Pixar criaram duplas carismáticas ao longo da história da empresa, como Woody e Buzz, Merlin e Dory, Wall-E e Eva, Remy e Skinner etc., mas nenhuma é tão especial quanto Boo e Sulley. É quando notamos aquele tema do desapego, de Boo enfrentando seus monstros no armário, encarando seus pesadelos de infância, e sem perceber, crescendo conforme vai se despindo desses temores, e deixando para trás Sulley como uma fantasia de infância que logo será enterrada na memória. Para ela é um processo natural, imperceptível, enquanto para Sulley é doloroso saber que em alguns anos aquela portinha branca de florzinhas já não aparecerá mais para ele.

Mas claro que isso tudo fica implícito em meio a tantas aventuras de visual extraordinário. A sequência da perseguição pelas portas, e como os roteiristas aproveitaram ao máximo dessa ideia de brincar com aquele conceito antigo de que os monstros moram nos armários das crianças, é de muita criatividade e boa execução, assim como a técnica caprichada, rica nos detalhes. Todo esse universo de monstros é muito bem desenvolvido em pequenas passagens, com a imaginação rolando solta em suas formas, tamanhos, mutações, e esquisitices – e como isso influencia em seus cargos na empresa-título, personalidade e carisma. Apesar de sofrer com essa necessidade boba de fechar a história com um final definitivo, uma conclusão, ou uma garantia de satisfação do público (problema de sempre nas animações da Disney, Dreamworks e Pixar, mas algo que não acomete as animações do Studio Ghibli, por exemplo), limitando assim voos mais altos em imaginação e criatividade, Monstros S.A. acentua sua ternura pela singeleza de seus temas alinhada com uma técnica irrepreensível.

E sua maior beleza está nessa inocência impregnada, nesse resgate por um tipo de animação que já não existe mais hoje. Cada vez mais dinâmicas, satíricas, espertinhas e corrosivas, a maioria das animações atuais sofre de não conseguir se conectar diretamente com os assuntos mais em voga na vida de seu público-alvo (ou fazendo isso de maneira muito superficial e didática), focando-se cada vez mais em agradar um público mais adulto, e forçando assim as crianças a crescerem mais rápido e assimilarem mais rápido assuntos que ainda não estão no seu rol de interesses. Monstros S.A. segue pelo caminho inverso e busca despertar no adulto a sua criança interior, e não o contrário. Por isso continua até hoje como a melhor produção dos estúdios Pixar. E a considerar os trabalhos mais recentes deles, cada vez menos interessantes (incluindo uma continuação deste para 2013 ainda), continuará nesse posto por um bom tempo.

Comentários (9)

Amanda Torquato Duarte | segunda-feira, 11 de Fevereiro de 2013 - 02:36

Sulley e Boo, com certeza uma das duplas mais carismáticas da Pixar, na minha opinião, numa luta acirrada com o Wall-E e Eva.

Luiz F. Vila Nova | quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2013 - 15:51

Ótimo filme. Mas Wall-E é a maior obra-prima da Pixar.

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