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Críticas

Cineplayers

Passatempo para esquecer

4,5

De vez em quando o circuito é invadido por experiências banais. Como estamos eternamente em compasso de espera em relação a algum grande acontecimento real das telas (atualmente ele atende por High Life, a mais recente obra de Claire Denis), fica difícil encontrar explicação pra estreia e comercialização de um longa como esse dirigido por Allan Mauduit. Não por lhe faltar qualidades, se trata de uma diversão ligeira e violenta - mas menos do que se vende, em ambos os quesitos - protagonizado por três atrizes seguras e talentosas, que estão ali com o pé nas costas. Mas a experiência não passa disso, como se Quentin Tarantino tivesse um contrato a cumprir e precisasse entregar um produto o mais rápido possível. Com pressa e sem tempo para elaborar uma caprichada mise-en-scene, o que vemos na tela é mais ou menos isso, uma versão 'de bolso' de um produto que os irmãos Coen fazem há mais de 30 anos.

Na tela, Cecile de France é "aquela ex-miss decadente que volta para morar com a mãe depois de cometer todas as burradas possíveis"; Yolande Moreau é "aquela dona de casa menosprezada e silenciada por marido e filhos, cansada da rotina que a oprime"; Audrey Lamy é "aquela mãe solteira sem qualquer perspectiva, amargurada e debochada com a vida": pronto, é clichê assim mesmo o trio de protagonistas, que não vão além desses traços de personalidade nem conseguem elaborar alguma audácia por estarem encobertas por essas definições rasteiras e pretensões inexistentes. O desenvolvimento da trama também passa longe de qualquer sutileza, quando o chefe das três em uma fábrica de sardinha em lata tenta estuprar a novata vivida por Cecile e depois de encontrar uma bolsa cheia de dinheiro com ele, acidentalmente o matam. Detalhe óbvio que esse é exatamente o dinheiro que as três precisam para mudar suas existências miseráveis. 

Se nada é muito marcante em Mulheres Armadas, Homens na Lata (apesar de bizarro, esse título em português é das únicas coisas personalizadas do filme), não há muito motivo para jogar pedras no filme, simplesmente porque ele é honesto e não ofende, além de apresentar uma bem-vinda mensagem de sororidade atual. Ainda hoje vemos obras de audiovisual exalando machismo e completamente distante de qualquer padrão aceitável de colocação. Nesse cenário, o filme é uma obra em comunicação com o seu tempo, que celebra a liberdade de escolha feminina e seu compromisso com um certo individualismo que sempre foi celebrado no Homem mas criticado na Mulher. As três personagens tem laços ou obrigações com o universo masculino, e fica claro desde o início que as três quebrarão com esse padrão instituído.

O filme tem ao menos uma característica interessante a apresentar (embora não seja necessariamente original), que é uma tradição francesa recente de apresentar sua narrativa fora de um grande centro, ou abertamente afastado de cidades-chave. O cenário aqui é a litorânea Boulogne-sur-Mer, que o cineasta não aproveita muito seu entorno marítimo, preferindo se concentrar numa zona periférica da cidade, onde seus tipos se envolvem com a máfia, frequentam ambientes soturnos ou vivem a margem. Essa crueza está impressa no seu visual escurecido, na caracterização carregada e falta de rumo de seus indivíduos em cena. Ainda assim, um de seus desfechos é banhado por um pôr-do-sol a beira-mar que nos lembra do lugar onde o filme se passa, longe da escuridão dos ambientes. 

No fundo talvez toda essa previsibilidade seja um predicado quando não procuramos nada além de diversão sem compromisso e passatempo descartável mas com nosso circuito ainda apertado e um quadro de produtos importantes se acumulando, como justificar ao espectador a ausência do indicado ao Oscar First Reformed para que em seu lugar semanalmente estejamos abertos a produtos tão esqueciveis como esse? Em tempos onde o streaming tem se mostrado disposto a capturar a atenção com o plus do conforto do sofá, nossas distribuidoras precisam obrigatoriamente ser mais rápidas e seletivas, sem demorar em seus lançamentos nem apostar em produtos tão comuns. Ainda assim, o longa de Mauduit é inofensivo o suficiente para não desagradar um espectador que não pense no cenário inteiro. 

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