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Críticas

Cineplayers

Drama, humor negro e diálogos sensacionais nesta modesta e inspirada pérola cinematográfica.

8,5

Em sua grande maioria, atores são pessoas apaixonadas por cinema. Por isso, ocasionalmente, mesmo grandes estrelas aceitam reduzir salários e participar de produções pequenas, com orçamento reduzido. Isso acontece quando têm certeza de se tratar de um projeto interessante e original, capaz de realmente render uma boa obra cinematográfica e, consequentemente, gerar novas oportunidades de carreira. É o caso, por exemplo, de Na Mira do Chefe, modesta produção inglesa/americana que tem no elenco nomes do primeiro escalão da indústria, como Colin Farrell (Miami Vice) e Ralph Fiennes (da série Harry Potter).

Escrito e dirigido pelo novato Martin McDonagh, Na Mira do Chefe conta a história de Ken e Raymond, dois assassinos profissionais que se escondem na cidade belga de Bruges após um trabalho que não deu muito certo. No local, enquanto o culto Ken se entretém visitando prédios históricos, o irrequieto Ray tenta superar o tédio iniciando um relacionamento com uma garota da cidade. As coisas começam a complicar quando o chefão Harry transmite a Ray o mais novo trabalho: eliminar Ray em função de um erro cometido.

Na Mira do Chefe, mesmo sem grande propaganda, alcançou certo destaque quando foi lançado em 2008, conquistando milhares de fãs e abocanhando diversos prêmios (como o Globo de Ouro de melhor ator para Colin Farrell e uma indicação ao Oscar de roteiro). E a louvação ao filme é mais do que justa. McDonagh construiu uma obra que segue o estilo de Quentin Tarantino, utilizando referências de forma original, mesclando diálogos espirituosos com violência que, por vezes, soa absurda. Na Mira do Chefe não pode ser definido como pertencente a um gênero: é, ao mesmo tempo, comédia, drama, thriller e filme de ação.

O grande mérito da produção é, sem sombra de dúvidas, o inteligente roteiro. McDonagh constrói um filme repleto de pequenas ideias, onde praticamente toda cena guarda uma pérola: seja no diálogo, seja na situação em si, seja na própria reação dos personagens. Além disso, o diretor/roteirista ainda consegue fazer com que praticamente tudo acabe tendo utilidade no final, através de brilhantes sacadas. Por exemplo, cenas que parecem desnecessária, com o único objetivo de gerar risadas, acabam desempenhando papel importante em algum momento posterior, como a briga no restaurante e a obesa família americana.

Mas o roteiro de Na Mira do Chefe realmente atinge níveis altos no que diz respeito aos diálogos. A quantidade de falas inspiradas que saem da boca dos personagens é impressionante e faz deste um daqueles filmes que podem entrar definitivamente para a cultura pop ao fazer a plateia utilizar os diálogos no dia-a-dia. Fica difícil escolher uma favorita, mas elas vão desde o fascinante pelo bizarro (“Eles estão filmando pessoas pequenas!”), passando pelo sarcasmo (“Purgatório é entre o céu e o inferno. Você não foi tão ruim, mas também não foi tão bom. Como o Tottenham.”) e chegando até metalinguagem (“Cale a boca. Este é o tiroteio final.”).

Claro que estas frases ganham outro alcance quando entregues por atores de talento, e o elenco inteiro tem ótimos momentos em Na Mira do Chefe. Colin Farrell, por exemplo, talvez encarne aqui seu melhor papel. O ator compõe Ray como um assassino quase neurótico, nervoso, amargurado por um erro recém-cometido. Ao mesmo tempo em que constroi um personagem interessante, conflituoso, Farrell brilha nos diálogos, realizando inflexões perfeitas e demonstrando um timing cômico insuspeitado. O mesmo vale para Brendan Gleeson e Ralph Fiennes, que aproveitam ao máximo a riqueza do material para criarem personagens fascinantes e iluminarem momentos específicos de diálogos; a cena na qual os dois conversam em um café no meio da rua é ouro puro.

Martin McDonagh, porém, não surpreende apenas com a sagacidade do roteiro e demonstra ser também um excelente diretor ao superar a difícil tarefa de equilibrar diversos gêneros. O cineasta comanda a produção com certeza absoluta do filme que pretende construir, sempre reforçando o aspecto absurdo dos personagens e da trama, o que acaba fazendo com que até a violência, apesar de extremamente gráfica em certos momentos, não choque. McDonagh parece se inspirar realmente no cinema de Tarantino ou Guy Ritchie, mas jamais soa como cópia. Além disso, exibe ótimo olhar e senso estético ao filmar Bruges de maneira belíssima, transformando a cidade em praticamente um personagem da história.

Equilibrando com competência altas doses de humor negro, drama existencial e o enredo dos gângsters, Na Mira do Chefe é um dos melhores e menos vistos filmes do último ano. Por vezes estranha, ainda que não menos brilhante, a produção certamente não irá agradar a todos, especialmente graças ao final. Mas é, sem dúvida, um filme repleto de qualidades e valores, nada previsível e com elementos de pura inteligência e talento. Um belo ponto de partida para a carreira de Martin McDonagh e um grande acréscimo ao currículo de Farrell, Gleeson e Fiennes.

Comentários (1)

Paulo Faria Esteves | quarta-feira, 31 de Julho de 2013 - 22:57

Acabei de ver. Não é o pior filme que vi este mês nem o melhor. Concordo com algumas coisas aí escritas, Sílvio, mas discordo de umas quantas outras...

demonstra ser também um excelente diretor ao superar a difícil tarefa de equilibrar diversos gêneros

Discordo, pelo menos no que toca à comédia. Se visto como comédia, o filme é péssimo. Acho que funciona muito melhor como drama, em especial por causa do final (de que gostei bastante). Ainda me ri 2 ou 3 vezes, mas...meh, comédia não é!😋 As piadas relacionadas com o Tottenham foram as melhores.

Talvez reveja o filme e faça uma lupinha ou comentário...

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