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Críticas

Cineplayers

Uma das grandes comédias da velha Hollywood, essencial por marcar o encontro de Lubitsch e Wilder, dois dos maiores mestres do gênero.

8,0

Garbo laughs

Foi com este slogan que a Metro-Goldwin-Meyer compôs a linha de frente da campanha promocional de Ninotchka, de Ernst Lubitsch, durante aquele que é considerado o ‘Ano de Ouro’ da velha Hollywood – e do qual é um dos meus representantes preferidos. A jogada, tão perspicaz quanto qualquer linha de diálogo deste incrível veículo de comicidade, não apenas sintetiza a brincadeira com a persona cinematográfica de Greta Garbo, atriz pouco utilizada em comédias e popular justamente pela intensidade dramática das linhas de seu rosto. Também diz muito sobre a própria estrutura de Ninotchka. Não a personagem, mas o filme.

São muitas as curiosidades que marcam os bastidores históricos da produção de Ninotchka. A principal delas é o encontro de dois dos maiores mestres da comédia ligeira, fato na época ainda não sabido pelos responsáveis desta enérgica fusão entre o texto de Billy Wilder e a direção de Lubitsch. Wilder jamais negou ser filho do cinema de Lubitsch, o que seria uma grande heresia, é verdade, mas parece ter encarado seu único projeto em conjunto com o grande mestre como uma genuína aula, sem se satisfazer plenamente com a cadeira de pupilo.

O resultado é uma combinação sublime entre a malícia e a ironia de Wilder com o romantismo e a agilidade dos filmes de Lubitsch, lidando concomitantemente com temas tão distintos como o amor impossível e a sátira social sem jamais perder o equilíbrio, e utilizando a própria saliência de Garbo como atriz principal para balancear o império de um ou outro estilo de cinema – tanto é que a partir do primeiro riso da protagonista, um momento sempre prometido, mas mantido em suspense minuto a minuto, é que a história de amor começa a se desenrolar.

Antes do riso anunciado de Garbo, porém, o que é trabalhado é o riso de quem vê. A primeira meia hora é praticamente um surto em termos de comicidade. A trama, ambientada durante o domínio comunista na União Soviética, joga três enviados russos dentro de uma Paris puramente capitalista e recheada de desejos. São três dos personagens secundários mais engraçados já vistos, dignos de fazer qualquer filme dos irmãos Coen passar vergonha – personagens cuja importância é retomada no terço final, outro luxo de explosão cômica.

É durante a preparação para a entrada de Garbo que se encontram as principais sátiras de Ninotchka à guerra de ideologias que marcou o século XX, sempre embaladas pelas falas certeiras e de duplo sentido – marca de Lubitsch que Wilder potencializou nas décadas seguintes – e pelo tom caricatural sempre presente, transformando algumas passagens em um veículo tão curioso quanto uma charge política (vale como curiosidade que Wilder retornaria ao tema duas décadas mais tarde em uma de suas maiores obras-primas, Cupido Não Tem Bandeira, filme bastante influenciado por Ninotchka).

A ironia continua presente ao longo de todo o filme, mas é transformada depois do riso em pano de fundo para uma história de amor impossível no melhor estilo velha guarda, sempre deliciosa de se acompanhar e respaldada por um olhar romântico tão inebriante quanto cínico. E nem mesmo a surpreendente metragem do filme – são quase duas horas de idas e vindas, coisa pouco comum e usual a uma comédia romântica – consegue fazer de Ninotchka um filme menos fascinante, seja pelo texto sempre surpreendente, pelo respaldo inventivo e absolutamente hilário dos coadjuvantes, ou talvez pela impressionante direção de Lubitsch, fazendo a câmera e o filme flutuarem cena por cena na mesma proporção em que os pés bêbados de Garbo riscam o salão em sua dança embriagada.

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