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Nocturama

(Nocturama, 2016)
7,4
Média
36 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

As horas.

8,0
Quando uma série de bombas explode simultaneamente em diferentes pontos estratégicos de Paris, o horror que se espalha pela população de civis parece não incomodar um grupo de jovens escondido dentro de um shopping central da cidade. O local, à prova de som, os isola do caos do lado externo. Nos primeiros 20 minutos quase não dialogados de Nocturama (idem, 2016) de Bertrand Bonello, a câmera do diretor acompanha todos eles isoladamente, cada qual contribuindo com a sua parte para o iminente ataque, enquanto pequenas legendas delimitam o horário sincronizado pela trilha-sonora. A preparação de terreno feita a partir desse mosaico de personagens deixa claro o horror que está por vir, mas o que incomoda mesmo é indiferença de cada um deles.
Em Nocturama, não existe um padrão de atitude, não existe uma unidade de ação – tudo é fragmentado, cheio de arestas e lacunas que jamais se preenchem. O grupo é composto por jovens de diversas etnias, condições financeiras, raças, credos, origens e sexos. Logo, não há a suposição de qualquer ideologia ou motivação capaz de unir tantos tipos distintos em um objetivo em comum senão a faixa etária. Todos jovens, independentes, relativamente estáveis, mas ainda assim unidos num propósito de caos que parece capaz de saciar as ansiedades de cada um. Bonello não perde tempo em demasiadas explicações ou se aprofundando no background dos personagens, visto seu interesse residir justamente na ausência de um motivo. Sua economia em palavras é compensada por uma direção barroca e uma montagem precisa que, sozinhas, oferecem mais respostas do que qualquer outro recurso. 

Em uma Europa tão traumatizada e alerta diante de inúmeros ataques terroristas, o foco do diretor segue na contramão e repousa sobre os perigos internos. Assim como Gus Vant Sant no icônico Elefante (Elephant, 2003), sobre o massacre em uma escola americana promovido por dois alunos, Bonello emprega sua câmera na função de seguir inúmeros personagens e linhas de ação paralelas que vez por outra se cruzam e aos poucos revelam pequenos indícios que poderiam estar por trás da motivação de um. Não há julgamentos ou acusações, apenas um cortante olhar direto ao que hoje compõe a nossa realidade preenchida por tipos cada vez mais impenetráveis e indiferentes. Se por um lado eles todos agem como jovens adultos comuns – jogando videogame, transando, procurando emprego, estudando para as provas, discutindo trivialidades entre si –, por outro transmitem um desamparo e desesperança com a própria vida que levam. 

Segue-se aqui uma conclusão pessimista sobre essa geração cínica que herdou os traumas de um século XX sangrento e aos poucos se desilude e se desestrutura cada vez mais cedo. Robert Bresson iniciou uma discussão parecida em O Diabo, Provavelmente (Le Diable Probablement, 1977), assim como Olivier Assayas em Água Fria (L’eau froide, 1994), e Bonello absorve para dentro da roda todo um contexto de violência correlacionada ao consumismo e aos avanços tecnológicos. No tenso ato final, quando, diante da possibilidade de um futuro destruído, todos parecem perceber tardiamente a consequência do que fizeram, mas agora é tarde demais e já não há lugar para eles nesse mundo sem espaço para erros, onde juventude também pode ser uma questão de vida ou morte. A sincronia de imagens, trilha e montagem logo afunila toda a ação e os encurralam, com a tortuosa contagem das horas que restam, em um destino que eles tanto fugiram, mas no fundo sempre souberam ser de impossível escape. 

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